Quem, há uma dúzia de anos, atravessasse os campos de
Idanha-a-Nova ou percorresse muitas aldeias do distrito de Castelo Branco,
notaria que as gentes do povo, os que mourejam de sol a sol, usavam,
geralmente, pesados chapéus de lã, de abas largas e copa baixa, os bem
conhecidos chapéus de Alcains, do custo de nove vinténs.
Veio a guerra (1914-1918), e o turbilhão de
transformações que ela devia operar, os pobres àbeiros quase desapareceram,
sendo já hoje muitos raros, mesmo na arraia de Idanha.
- Origem da indústria? Motivo da decadência?
Não se conhece a origem nem a data exacta da instalação
do fabrico. Pelo depoimento de pessoas da localidade, creio poder afirmar que
ela vem de tempos distantes, e que, não há muito ainda, empregava mais de uma
dúzia de industriais.
Porque decaiu então esta indústria, se outras, como o
linho, criaram, com a guerra, novos alentos e arregimentaram novas tecedeiras?
Os chapéus de Alcains são feitos exclusivamente de
lã, e esta subiu a preços incomportáveis.
Os compradores, gente simples do campo, fugindo à carestia
e levados na onda do luxo, começaram a desprezá-los. Os chapéus de lã de
Alcains mal puderam, por isso, resistir à concorrência dos de feltro.
- Processo de fabrico?
Os chapéus de Alcains são feitos, como se disse de
lã, exclusivamente de lã, comprada na região, que, depois de lavada,
escarameada, cardada, em-arcada e bastida, é levada à cabeça (forma de azinho
do feitio de uma cabeça).
Na operação de lavagem, não vale falar por ser bem
conhecida.
Escaramear consiste em separar e desfazer os
aglomerados de lã.
Cardar o mesmo é passar a lã por entre as cardas, -
placas de bicos de aço muito afiados e muito juntos. A cardação é feita no
burrinho, banco com uma carda fixa onde o cardador se senta e manobra, com as
mãos, em movimento regular e continuo, de encontro à caixa fixa, uma carda
móvel.
Em-arcar consiste em desfiar ainda mais a lã
separando-a bem e tornando-a fofa e leve. A em-arcação é feita com uma vara de
madeira, de pouco mais de dois metros, que tem presa às extremidades uma corda
em forma de aro, espécie de arco de rabeca. Preso, o arco, ao teto e suspenso
sobre uma mesa, o chapeleiro estica a corda, entrelaça nela a lã e fá-la saltar,
uma e muitas vezes, até a lã, ficar fofa, muito leve, bem separada e desfiada.
Bastir equivale a empastar ou fazer a papa.
A lã é deitada numa plancha (grande bacia de folha de
cobre de 60 a 65 centímetros de diâmetro e 15 de profundidade) e ali embebida
em água. Acesa uma fornalha por debaixo da plancha, a lã toma, com o
aquecimento e consequente evaporação de água, a forma pastosa.
A pasta é levada para a cabeça, o chapeleiro, passa
sobre ele, vezes em conto, o ferro de passar e o chapéu fica assim moldado.
Enxuto, em seguida, ao sol, debruado e forrado com um
pobre forro de chita de várias cores, vai para o mercado, e do mercado para as
maiores inclemências do calor e do temporal, proteger e abrigar tantos que, de
sol a sol, mourejam na conquista do pão de cada dia.
Texto de Jaime Lopes Dias in Tradições e Costumes da Beira
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