Sobre o trajar dos
saloios
Não
é muito fácil definirmos concreta e definitivamente o trajo saloio. Cremos
mesmo não ser muito correta a afirmação TRAJO SALOIO, mas sim o TRAJAR DOS
SALOIOS.
O
saloio é, cremos que poucas dúvidas se levantam hoje em dia, o camponês dos
arrabaldes de Lisboa, aquele que durante muitos anos forneceu a cidade dos
produtos frescos provenientes das hortas destes sítios. Assim o trajar destes
homens do campo tinha uma ligação muito estreita com esta sua atividade, não se
podendo, no entanto, diferenciar do de outros camponeses que trabalhavam
noutras zonas da Estremadura ou mesmo do Ribatejo ou do Alto Alentejo. Não
cremos que haja uma característica de indumentária exclusiva dos saloios.
Barretes, peça que, de facto, identifica sobremaneira o homem saloio, existem
também em vários outros pontos de Portugal; bem assim como as faixas na
cintura; bem assim como o varapau. Nas mulheres o uso do lenço e o seu tipo, é
muito semelhante, por vezes igual, ao da maior parte das regiões do país. Mas,
na indumentária feminina encontramos algo que, ao que pudemos observar até
agora, se pode revelar como único, a célebre carapuça saloia, a que faremos
maior referência no capítulo seguinte. Depois de observarmos muitas gravuras,
podemos, para já, concluir pela exclusividade deste elemento, com estas
características, como algo retintamente saloio.
Há
no trajar dos saloios algumas particularidades e diferenças, que não são
estabelecidas em função das várias profissões que existem como até se podia
supor. Ou seja, o jornaleiro, o moleiro ou o condutor de carroças, quando
trabalham envergam o mesmo tipo de roupa, a grande diferença (e possível
diferenciação) está quando chegam os dias de festa ou os dias santos, em que se
usam os melhores fatos, aqueles mais novos e onde é então possível vislumbrar
quem tem maiores posses, maior poder monetário para compor de forma mais
adornada o seu vestuário.
Afirmamos
pois que o saloio não possui um trajo que o distinga claramente de outros
camponeses seus vizinhos. Mas também não podemos escamotear o facto de os
saloios trajarem de forma muito semelhante entre si e que, frequentando mais
assiduamente a cidade de Lisboa que os camponeses de outros locais, se tenha
fixado um certo tipo de trajar como o trajo saloio e que, aos longo de muitos
anos, vários estudiosos, pintores e fotógrafos tenham tentado fixar este homens
e estas mulheres com os seus trajos característicos.
É
isso que aqui, de forma sucinta, breve (tendo em conta o século XIX e primeira
metade do século XX) e o mais completa possível, iremos agora fazer. Dar-lhes o
retrato mais fiel do trajo envergado pelo saloio e pela saloia. No final
falaremos, ainda que brevemente, do que cremos ser o trajar saloio hoje em dia.
A proteção para a
cabeça
O
barrete saloio é talvez a peça da indumentária masculina mais conhecida. Não é,
no entanto, exclusivo destes homens. Os campinos das lezírias ribatejanas
também o usam, assim como os pescadores de várias zonas costeiras do país. Mas
é, sem dúvida, com os homens saloios que este objeto mais se identifica. É
quase sempre negro, mas também se usou vermelho e verde, semelhante ao dos já
citados campinos e por vezes com borlas coloridas, consoante o estado civil
daquele que o usa. Mas foi o barrete totalmente negro que mais se difundiu e,
cremos, que nenhum saloio retinto o tenha, alguma vez, deixado de usar.
Mas
não era esta a única proteção para a cabeça que os saloios usavam. O chapéu de
abas largas era também muito usado e, por vezes, a cartola surgiu igualmente
(chamado chapéu “zabumba”). Nos nossos dias o comum boné substituiu, em larga
escala, todos os outros.
Nas
mulheres o lenço foi rei e senhor. Houve tempos, até meados do século XIX, em
que, em conjunto com o lenço, a mulher saloia cobria a cabeça com uma carapuça,
conhecida exatamente como carapuça saloia. Curiosa a quadra que J. Leite de
Vasconcellos recolheu no Cancioneiro Popular Português:
«Sou
Saloia, trago botas,
e
também trago meu mantéu,Também tiro a carapuça
a quem me tira o chapéu».
Mas
enquanto esta carapuça caía em desuso o lenço foi-se mantendo, sendo ainda hoje
muito usado pelas saloias mais idosas.
O Tronco
Consoante
a sua função, a estação do ano e, sobretudo, a ocasião, assim o saloio a e
saloia vestiam a blusa, a camisa, o colete, o casaco, a casaquinha, o mantéu ou
a jaqueta.
Da
roupa interior, sempre utilizada, falaremos mais adiante, mas por cima da sua
camisola e no que diz respeito ao tronco, o saloio vestia, invariavelmente, uma
camisa.
Assim,
este homem usava a sua camisola interior, de cor branca e muitas vezes, em
situação de trabalho, de outras cores, nomeadamente cores escuras. Por cima
desta usava a camisa que era, normalmente, “enfiada” pela cabeça. Estas eram
aquelas camisas que tinham apenas uma pequena enfiada de botões na parte
superior, no chamado espelho. Havia também outras que tinham duas frentes de
botões até ao fundo. Outra característica residia no facto de terem ou
colarinho, ou a chamada “gola à padre”. Estas camisas eram, na sua grande
maioria de cor branca, mas também as havia de outras cores, sempre sóbrias. Por
sobre a camisa vestia, invariavelmente, o colete preto, cinzento ou castanho,
quase sempre. Este colete, em situação de trabalho, e por vezes mesmo nas
festas, usava-se desabotoado. Quando trabalhava era esta a cobertura do tronco,
quando assim não acontecia vestia ainda a jaqueta de cores escuras com maiores ou
menores adornos (tais como os alamares) consoante o maior ou menor poder
económico do seu proprietário.
À
volta da cintura, o saloio usava, frequentemente, a faixa ou cinta de cor preta
(mais raramente vermelha), por vezes com um bordado nos dois extremos e franjas
nas pontas.
Nos
dias invernosos usavam a samarra ou o capote, que vários autores consideraram
como “irmão gémeo do capote alentejano”.
A
saloia era mais alegre e graciosa nas vestes que cobriam o seu tronco. Assim, e
de maneira geral, usava uma blusa cintada, com aba, franzida ou com um
machinho, blusas estas que tinham padrões floridos e, não raras vezes, eram de
cores alegres e vivas. Por sobre estas usavam as vasquinhas, curtos gibões, ou
casaquinhos de chita, ajustados ao busto. Usavam também um xaile pelas costas,
sobretudo em casa, predominantemente as mais velhas.
Como
roupa interior, a saloia usava igualmente o corpete, servindo para “segurar o
seio”; algumas preferiam o espartilho. Era alva esta roupa interior.
Também
a saloia usava capote, ou capa, para se proteger do frio e dos dias chuvosos.
As pernas
O
saloio usava, obviamente, calças. Calças que, de forma geral, tinham bolsos
direitos, apertavam à frente com botões e atrás ajustavam com uma fivela; eram
de talhe direito e folgadas ou, mais comummente, justas à perna alargando em
baixo de forma a tapar a parte superior da bota. Eram, usualmente, em cotim, às
riscas verticais ou lisas, e também em fazenda ou outros tecidos grossos. No
trajar mais “cuidado” usavam calças feitas de “pele de diabo” – bombazina.
A
saloia usava, obviamente, saias. A saia era sempre comprida, embora nunca fosse
a arrastar pelo chão. Em situações de trabalho usava-a um pouco mais curta, de
forma a não atrapalhar os movimentos do seu trabalho.
Para
além das saias, a saloia usou durante muito tempo a sobresaia que, muito
provavelmente, foi mais tarde substituída pelo avental (também chamado anágua).
Este objeto não tinha apenas a função utilitária de evitar sujar a saia, mas
era igualmente um adorno utilizado não só nos dias de trabalho mas também em
situações festivas, onde era costume estrear um avental novo.
Os pés
Nos
pés os saloios usavam quase sempre botas de couro. No trabalho, na festa, na
igreja. Só os mais endinheirados usavam, por vezes, o sapato, embora mesmo
estes optassem, frequentemente, pela bota ou botim, talvez uma pouco de melhor
qualidade e por conseguinte mais caro.
Eram,
normalmente, de couro branco, curtido com o passar do tempo e do uso. Eram
também ferrados, com o fim de durarem mais tempo e os saltos tanto podiam ser
de prateleira com um pequeno tacão. Tanto estas como as de tacão raso tinham
sempre as “tacholas”. Podiam ser de cano inteiriço, até meio da perna, mas o
mais natural era serem mais baixas, sobretudo as que eram utilizadas no
trabalho do campo.
A
saloia também usava bota, normalmente de cano curto e com um pequeno salto.
Em
dias de festa deixava, por vezes, as botas e calçava sapatos rasos de cordovão
de cabedal branco. Também havia aquelas que cobriam os pés com umas grossas
botifarras de couro atanado, de cano alto e fechadas verticalmente por meio de
uma carreira de botões.
Retirado
de "O Trajo Saloio" - Brochura editada pela Câmara Municipal de
Loures / Departamento Sócio-cultural - Texto de Francisco Sousa - Novembro de
1995
Fonte:
Folclore de Portugal
Imagens
ilustrativas: Recolha efetuada na internet
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