sexta-feira, janeiro 10, 2014

A Croça I - Montalegre

Introdução


Já quase não se fazem croças em tamanho real, sobretudo porque já não há pastores ou estes preferem os impermeáveis. No entanto, é importante efetuar a recolha do saber-fazer, para que esta não se perca.

Inicio hoje a transcrição de 6 artigos magníficos da autoria da Prof.ª Dr.ª Daniela Araújo, fruto do seu extraordinário trabalho de recolha junto da população do Montalegre, que nos descreve, passo-a-passo, o fabrico de uma croça de junco, pelas mão de um dos últimos artífices desta arte.

De destacar que a Prof.ª Dr.ª Daniela Araújo integrou a equipa que reabriu o Museu de Arte Popular em 2010, tendo sido comissária executiva da exposição Os Construtores do MAP – Um Museu em Construção […] e, em Junho de 2011, voltou a Trás-os-Montes para participar no projeto de investigação para intervenção museológica As culturas do trabalho no Barroso, nomeadamente, no Ecomuseu de Barroso.

A CROÇA I

A croça nasce deste botão. Bom, na verdade, a croça nasce deste botão e das mãos sábias do sr. Constantino. Tudo começa com este botão. Bom, na verdade, tudo começou com a apanha dos juncos. Passaram-se os meses, os juncos secaram, veio o tempo molhado e começaram-se a fazer as croças. Já não são para os pastores que agora são poucos e usam oleados. São para ranchos ou para compor a decoração de restaurantes típicos. Estas, que agora se estão a fazer, até são todas para levar para Espanha.

Pegam-se nuns quantos juncos (estes que se mostram na primeira imagem foram apenas para exemplificar; são mais que a trança quer-se grossa) e colocam-se lado a lado.

Depois, com os dedos indicadores e polegares de ambas as mãos o mais juntos possível, torcem-se os juncos em direções opostas a partir de um ponto central e o mais apertado que se conseguir.

Bastam apenas algumas voltas. As suficientes para se prender, com os dentes, os juncos já torcidos, nesse ponto central, e começar a torcer os dois lados um sobre o outro, ao mesmo tempo que se continua a torcer cada lado sobre si mesmo.

Esta explicação é clara? Eu tive que pedir ao sr. Constantino para repetir a operação porque não percebi os gestos logo à primeira...

Depois, ele também me explicou como se iam entrançando novos juncos na trança quando algum se partia ou era preciso aumentar o comprimento.

Na ponta onde se iniciou o torcimento, dá-se depois um nó. Esse nó é o botão da croça que vai permitir mantê-la fechada. Na outra ponta está a casa onde entra o botão. Mas ainda não cheguei aí!


 Botão da croça
 
Há quatro instrumentos/equipamentos que são indispensáveis para se construir uma croça (para além da mascota que é usada para bater os juncos no dia em que são colhidos): os pentes, a fita métrica, a tesoura e a tábua de tabopan.

O sr. Contantino tem dois pentes para pentear a croça que foram feitos por ele. Um com os pregos mais espaçados; o outro com uma maior densidade de pregos. Aquele que tem os pregos mais espaçados é usado nas primeiras penteadelas; o outro é usado depois para um acabamento mais fino. Vai-os consertando à medida que os pregos se degradam.
 

A tábua de tabopan facilita o trabalho de escovagem e de medição das diferentes camadas que compõem uma croça.

 
 
 
Cada camada tem diferentes comprimentos o que resulta de uma lógica que eu ainda não descortinei completamente.

Mais, de carreira para carreira, de camada para camada, o número de juncos que se entrançam também aumenta o que permite, naturalmente, que a capa ganhe amplitude.

A capa tem, também, os juncos de fora, que são os que se penteiam e os juncos de dentro, o forro, que estão presos uns aos outros e que não são penteados.

No interior da capa veem-se as tranças da croça (são as verticais, embora na imagem seguinte apareçam na horizontal) a que ele chama a segurança da croça pois permitem que a peça não fique desengonçada.

Interior da croça

 

O sr. Constantino diz que eu consigo aprender tudo em 15 minutos. É um otimista. Fazer uma croça parece-me bastante complexo. Não é, apenas, a gestualidade, inerente a cada operação. É toda a lógica de camadas, tranças e comprimentos. Esta foi só a primeira lição.
 

3 comentários:

Anónimo disse...

Inigualavel existe na serra de montemuro concelho de resende na associacao recreativa da Talhada uma exposicao

Unknown disse...

Boas! Gostava de saber onde posso alugar ou comprar uma croça, preciso para um evento especial. Obrigada pela atenção.

Ana Correia disse...

Caro Carlos

Obrigada pela partilha, e pelo interessantíssimo blog! Gostaria de aprender a fazer uma croça, e como tal de saber se é possível pedir o contacto, ou algum canal para chegar ao Sr. Constantino (ciente de que passados 6 anos talvez possa ter mudado...), ou a outro artesão que me possa recomendar!

Atentamente,
Ana Correia