quinta-feira, agosto 27, 2009

Os Avieiros – Salvaterra de Magos - Ribatejo

Desde sempre o rio Tejo, atraiu muitos pescadores vindos de longe. Gente do mar, que de Inverno não conseguiam ganhar o seu sustento devido à bravura das ondas, viam o seu ganha pão ser recusado pelo mar, enquanto que no rio Tejo, rico em espécies lucrativas, da qual se destacava o sável, várias famílias rumam ao sul, em busca de sustento.
Destas migrações internas, que surgiram nos finais do séc. XIX, destacam-se duas de origens geográficas diferentes: os varinos, vindos da região de Ovar, Estarreja e Murtosa e os avieiros originários da Vieira de Leiria.
Situada na margem esquerda do rio Tejo, a escassos quilómetros da vila de Salvaterra de Magos, encontramos a pequena aldeia do Escaroupim. Curioso povoado habitado pelos descendentes de uma das mais peculiares migrações internas, que Portugal assistiu - os avieiros.
Estes nómadas do rio, como afirmou Alves Redol, são baptizados de avieiros, que é um gentílico extraído da sua terra de origem, Vieira de Leiria.
Em Vieira de Leiria durante o Inverno, o mar é tão revolto e os ventos violentos impediam que os barcos entrassem no mar. Privados da sua actividade principal, os avieiros tiveram que dedicar-se a outros trabalhos. Uns eram contratados pelas serrações instaladas nos pinhais vizinhos, outros deixam a sua terra de origem e partem em direcção ao Tejo, onde a safra do sável, lhes dava uma ilusão de uma vida melhor.
Não está definida uma data para esta migração, a única certeza que temos é que em dada altura, os pescadores da Vieira de Leiria, começaram a emigrar para o Tejo, e que durante anos, muitas famílias viveram uma vida repartida entre o rio e o mar. Partiam para o Tejo de comboio, mas os primeiros vieram nos seus próprios barcos.




Ficavam nos meses de Inverno a percorrer o Tejo e a suportar uma vida que era dura e difícil, como afirma Maria Micaela Soares: “(..) vinham em Novembro, trazidos pela penúria. Anónimos e tímidos se achegavam às margens do Tejo. Na época de vaivém entre a praia e a lezíria, moravam nas pequenas embarcações de proa alta, quer durante a faina, quer acostado. O barco era o berço, a câmara nupcial, a oficina e a tumba”.
A sua vinda para as terras de borda-d'água, não foi fácil porque “quando os avieiros chegaram à lezíria, encontraram já o rio sulcado de barcos, alguns maiores que os seus, e que eram conduzidas igualmente por pescadores que povoavam o Tejo, chamavam os da terra varinos.
Eles entre si designavam-se simplesmente pescadores, em oposição aos trabalhadores da terra. Os avieiros apelidaram-nos de Murtoseiros, qualquer que fosse o seu ponto de origem. Esta era, na sua maioria, a Murtosa, mas também vinham de Ovar e da Estarreja. Esses grupos, que haviam seguido na esteira do sável, fixaram-se nos extremos dos povoados ribeirinhos, junto às praias.
Alugavam as casas da beira-rio, onde habitavam várias famílias, para o aluguer ser mais acessível”.
Havia uma rivalidade entre ambos, o que provocava grandes rixas. Os varinos acusavam os avieiros de terem contribuído para a decadência da sua actividade piscatória, através da concorrência desleal das redes, os avieiros por sua vez também os acusavam de usarem este tipo de redes. O certo é que estes dois grupos não mantinham relações muito cordiais.
Com o passar dos tempos, o processo migratório cessa e acabam por se fixar nas margens no Rio Tejo, o nomadismo acaba e sedentarizam-se. Com a fixação definitiva, surge a necessidade de encontrar um domicílio mais estável, resistente e confortável. Pouco a pouco conquistam as margens do rio Tejo e começam a erguer pequenas barracas totalmente construídas em caniço, dado que este crescia de forma espontânea pelos valados.



Sempre que as condições económicas o permitiam, começavam a adquirir madeira, comprando por vezes uma tábua por semana e aos poucos iam edificando a sua habitação. A aldeia do Escaroupim nasce desta forma, tomando uma configuração muito irregular tal como a vida dos avieiros, as casas forma levantadas aos solavancos conforme as suas posses. Contrastando com a casa ribatejana, a habitação avieira é assente em pilares devido às cheias ocasionais do Tejo, é feita em madeira, pois é o único material que a Capitania do Porto de Lisboa e a Hidráulica permite. Enquanto que a casa ribatejana é normalmente caiada, a do avieiro é pintada com cores alegres onde se destaca o verde, o vermelho e o azul, disfarçando desta forma as amarguras da sua vida. Este tipo de habitação é idêntico aos palheiros da Praia da Vieira.
O Tejo era a sua vida, o rio fê-los viver décadas de isolamento de costas voltadas para a lezíria, dado que estes não os “aceitavam” por serem diferentes, as raízes culturais dos avieiros não estão no Ribatejo, mas sim na terra dos seus pais e avós - a Vieira de Leiria.

A MULHER AVIEIRA
A mulher teve um papel muito importante na família avieira, para além de mãe e esposa, era também a “camarada” do pescador. Era ela quem remava e controlava o barco, enquanto o homem lançava as redes, ajudava também no conserto nas redes.
Após a pescaria fazia grandes caminhadas, de freguesia em freguesia, com a canastra à cabeça para vender o pescado, descalça sobre a geada ou debaixo do sol escaldante.
Apesar da fixação na lezíria ribatejana, a mulher avieira conservou genuinamente o seu traje de origem. Vejamos a descrição deste, segundo uma descrição de Maria Micaela Soares “(...) elas conservam puras muitas das suas tradições, com especial relevo para o vestir. Usam saia e blusa - a que a mais velha chama “casaco”, sendo aquela muito rodada ou em pregas miúdas. De tecido diferente, conforme a estação do ano, a saia tende sempre para o xadrez castanho-amarelado, embora se vejam também de cores muito garridas.
O “casaco” tem sempre manga comprida, é bastante colorido e muito enfeitado, com rendas ou bordados, mesmo nas menos jovens (...).
Também não dispensa o avental, bastante rodado, estimando muito os de riscas largas, de quadradinhos miúdos ou de cor lisa, bordados. Usa-o no trabalho do rio, doméstico, agrícola ou nas festas.
Na cabeça, a avieira mais idosa não prescinde do lenço, posto com pontas ao alto, à rodada-cabeça, caído pelos ombros, atado atrás. Só dentro da casa e nos grandes calores estivais o retira e, mesmo assim, se alguém chega à porta, repõe-no imediatamente, que não parecia bem sem ele. Faz parte do decoro da sua apresentação. Quando de luto, nem em casa o afasta.
Interiormente as mais velhas trazem ainda camisa com “ombrêras”, além da saia branca de baixo, tudo com rendas.
Grande anseio de todas é a posse de um cordão e grandes medalhas, que ostentam mesmo sobre fatos de luto (...)”.

O HOMEM AVIEIRO
Trajo do avieiro, também nos reporta para a sua área geográfica da Vieira de Leiria “de camisa axadrezada, em tons castanhos e amarelos, de preferência e não já de pano-cru; calça de fazenda ou de cotim, arregaçada, tal como a ceroula interior, ou largas bragas de zuarte, antigamente,mas de ganga hoje; boina de pala curta em vez de barrete de outrora, em geral preto, mas que também fora azul ou vermelho, com ou sem borla, cinto de cabedal ou mero cordão, pela cinta preta de outros tempos, camisolas e casacos de malha ou de tecido grosso a destronarem o gabão de capucha e farto cabeção, pés de descalço sempre - eis o velho avieiro”.

Bibliografia: Maria Micaela Soares, “Mulheres da Estremadura” In Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa

Rancho Folclórico "Os Avieiros" do Escaroupim (Página Provisória)

sábado, agosto 08, 2009

O Homem da Taberna - Algarve

A taberna, em qualquer região de Portugal, constituía (direi antes, constitui, já que ainda existem algumas) o centro social por excelência de uma localidade. Trata-se de um lugar exclusivamente masculino, onde, entre umas rodadas de vinho ou aguardente, se jogava às cartas, ao dominó, á moeda. Está claro, em lugar de jogos de azar, com bebida á mistura, as desavenças eram frequentes. Mas na taberna também se sabe das novidades, se contrata trabalho, fala-se dos namoros, de futebol e de politica.
A grande perturbação familiar surgia quando o homem começava a ser frequentador habitual da taberna descurando a família. Não raras vezes, a mulher entrava na taberna e arrastava o marido para casa, era a suprema humilhação, que nem sempre servia de lição.
Os 3 trajes que vos apresento, são exemplos de trajos quotidianos de inverno do homem algarvio da primeira metade do sec.XX, provavelmente pescadores de mar alto, ou em época de defeso, operários, etc., gente simples … gente de trabalho.

Boné de tecido de lã preta. Casaco de tecido de lã grossa estampado de xadrez em tons de castanho e verde, aberto na frente e com manga comprida. Camisa de flanela formando xadrez em tons de vermelho de manga comprida, colarinho chanfrado, aberta na frente, aplicação de bolso sobre o peito do lado esquerdo.
Calças de fazenda de lã cinzenta e preta. Lenço tabaqueiro. Botas em pele de carneira.

Boina castanha. Camisa de tecido de lã formando xadrez policromado de manga comprida, aberta na frente, com aplicação de bolso com pala sobre o lado esquerdo. Colete de fazenda de lã cinzenta, interior guarnecido com lã de ovelha, aberto na frente e aplicação de três bolsos. Capote com gola de pelo. Calças de tecido de algodão em tons de preto e branco. Lenço tabaqueiro. Tamancos de madeira e cabedal castanho.

Boina em tons de castanho. Camisa de tecido de algodão em tons de azul e branco em xadrez, colarinho chanfrado, aberta na frente, manga comprida, com aplicação de bolsos com pala. Colete de soriano castanho, aberto na frente, com dois bolsos. Calças em fazenda de lã grossa. Samarra cinzenta com gola de pêlo de carneiro. Botas de carneira.

Fonte bibliográfica: “Orla Marítima – Traje do Algarve”, Museu Nacional do Traje