segunda-feira, julho 25, 2011

A boina basca no Folclore Português

Ansiosos por se destacarem pela diferença, sem critérios nem estudo que o fundamente, alguns grupos folclóricos têm vindo a incluir a típica boina basca na indumentária de alguns dos seus componentes, em regra associando-a a uma forma de vestir que foi utilizada já em pleno século XX. Com efeito, aplica-se a este caos o termo folclórico usualmente empregue como adjectivo que, de uma forma algo pejorativa, pretende designar algo de bizarro.
Perde-se nos tempos a origem da boina basca, designada por txapela em euskera. O registo mais antigo que se conhece data de 1496 e constitui uma gravura da autoria de um viajante alemão que por essa altura contactou aquele povo. Também no Arquivo da Guipuzkoa se guardam baixos-relevos em madeira policromada que remontam a 1600 e documentam o uso da característica boina.
Disse o antropólogo basco Telesforo de Aranzadi que, “a graça da boina está na docilidade de acomodação, sempre que se coloca sobre a cabeça de forma apropriada. A graça e o movimento se exprimem como na estatuária grega, pela interrupção da simetria”. Com efeito, não se concebe o basco sem a sua boina característica.
A boina basca deve a sua difusão sobretudo ao período da Primeira Guerra Mundial, altura que a mesma passou a ser adoptada por forças militares de muitos países e, oficiais de todas as armas passaram a exibi-la, num misto de amuleto e de homenagem ao espírito guerreiro e combativo de um povo que, corria o ano de 778, entrincheirado nas gargantas dos Pirinéus junto a Roncesvalles, ousou infligir uma pesada derrota aos exércitos de Carlos Magno quando este se atreveu a invadir a Península Ibérica. Acto heróico que ficou celebrizado na Canção de Roldão que veio a tornar-se numa das mais conhecidas canções de gesta. Consoante os países, a txapela ou boina basca passou também a ser conhecida por “beret basque”, “barkische mütze” ou “gorra de vasco”, aludindo invariavelmente à sua origem.
A partir de então e sobretudo após a guerra civil de Espanha, também entre nós se tornou popular, passando a ser ostentada pela gente simples do povo, sobretudo em regiões mais a norte, constituindo um acessório bastante preferido nomeadamente dos galegos e dos minhotos que em Lisboa eram carvoeiros e taberneiros, distinguindo-se claramente no seu modo de vestir. Sob diferentes cores menos convencionais, ao jeito burguês da época, a boina veio posteriormente a ser adoptada pelo público feminino. Porém, a txapela basca jamais fez parte do traje tradicional das gentes minhotas ou representou algum tipo social à época do século XIX pelo que, a introdução desse elemento constitui mais uma bizarria que apenas resultou da imaginação fértil de alguns responsáveis por determinados grupos folclóricos.
Uma vez mais se comprova que a representação que é feita por alguns “folclóricos” não é sustentada por uma trabalho de pesquisa, recolha e análise prévia mas apenas movida pelo impulso e a vontade de surpreender e impressionar na ânsia de cativar o público a qualquer custo, qual feirante que vende um lote de cobertores ao irrisório preço de um apenas. Mas, o folclore tem de passar a ser encarado de uma forma algo séria que exige estudo apurado e rigor científico sob pena de descredibilizar-se!
Autor: Carlos Gomes
Bibliografia: MENDIZABAL, I. Lopez. Breve História del País Vasco. Editorial Vasca EKIN. Buenos Aires. 1945

quarta-feira, julho 20, 2011

A Indústria Chapeleira e o Traje Tradicional

A fotografia constitui uma das fontes documentais não apenas para quem estuda os acontecimentos da História contemporânea como também para quem procura com algum rigor conhecer os usos e costumes desde meados do século XIX, nomeadamente aspectos relacionados com o traje utilizado à época. Porém, o aparecimento da fotografia coincide com a industrialização dos processos de produção que levaram a uma inevitável alteração de hábitos e a uma padronização cada vez maior no modo de vestir.







Primitivamente, a produção de vestuário era feita de forma artesanal e, sobretudo nos meios rurais, nem sempre existiam recursos materiais para se poderem adquirir nas feiras que se realizavam nas vilas os tecidos necessários à sua confecção, ao contrário do que sucedia com as classes nobres e abastadas para quem se importavam as mais luxuosas sedas. No campo, cultivava-se o linho que depois se submetia a um laborioso ciclo até ficar pronto para o tear. E era então que o vestuário, de linho, sorrobeco ou outros tecidos adquiria forma: com cores sóbrias ou garridas, com mais ou menos estopa, consoante a sua finalidade, de acordo com a condição da pessoa que o vestia e ainda com as características do clima ou da função, se destinava ao trabalho ou a ser usado em dia festivo. E, tal como acontecia em relação ao vestuário, o mesmo se verificava com outros acessórios, incluindo os que serviam para cobrir a cabeça.
Ainda actualmente é possível encontrar teares sem qualquer utilização desde há imenso tempo, em muitas casas antigas nas aldeias minhotas. E ainda, para quem efectua pesquisas genealógicas, não é raro verificar a profissão de tecedeira nos assentos de baptismo outrora lavrados nos cartórios paroquiais do Minho.










Enquanto o lenço servia às mulheres, o trabalhador do campo usava invariavelmente um barrete que se ajustava à cabeça, proporcionava conforto e não dificultava os movimentos, possuindo por vezes outras utilidades como a de esconderijo. Ou então, quando a temperatura o aconselhava, um chapéu de palha que, à semelhança do vestuário, também era construído pelas mãos habilidosas das mulheres. Aliás, é esse talento de artista que levou Ramalho Ortigão, em As Farpas, a caracterizar a mulher e o homem minhotos da seguinte forma:
“O trabalho das rendas basta, por ele só, para criar os hábitos de simetrização, de alinho, de asseio e de esmero, que necessariamente se comunicam da nitidez da operária a tudo que a rodeia – os seus vestidos, a sua casa.
O marido minhoto, por mais boçal e mais grosseiro que seja, tem pela mulher assim produtiva um respeito de subalterno para superior, e não a explora tão rudemente aqui como em outras regiões onde a fêmea do campónio se embrutece de espírito e proporcionalmente de desforma de corpo acompanhando o homem na lavra, na sacha e na escava, acarretando o estrume, rachando a lenha, matando o porco, pegando à soga dos bois ou à rabiça do arado, e fazendo zoar o mangual nas eiras, sob o sol a pino, à malha ciclópica da espiga zaburra”.





Na segunda metade do século XIX, a cidade de Braga destacou-se nomeadamente pela indústria chapeleira localizada sobretudo na Freguesia de São Víctor. Esta indústria haveria mais tarde de se transferir para S. João da Madeira onde, aliás, veio a ser criado o Museu da Chapelaria. Adquiriu então notoriedade o chamado chapéu braguês, de copa alta e aba com cerca de sete centímetros de largura, cuja utilização se generalizou em todo o Minho. Não havia lavrador que, sobretudo em dia de mercado, não ostentasse o seu chapéu fabricado pela conceituada indústria bracarense. E era vê-los, de chapéu na cabeça, com vara de marmeleiro e casaca sobre os ombros a negociar o gado na feira de Ponte de Lima, Barcelos ou noutras localidades, como aliás atestam as fotografias da época. Não admira, pois, que os grupos folclóricos minhotos exibam com maior frequência o chapéu braguês em relação ao barrete, existindo porém alguns que já vão incluindo este na indumentária que exibem.
Noutras regiões do país, também o uso do chapéu se generalizou sob diferentes formas relacionadas nomeadamente com condições climatéricas ou de ordem prática, como sucede com o utilizado pelo maioral ribatejano ou o chapéu de abas largas da região da Estremadura.
Como é sabido, o traje tradicional não escapou à influência das modas das várias épocas nem às fantasias resultantes de uma política de turismo que utilizava o folclore também como atractivo para quem pretendia visitar o país. E, por maioria de razão, o folclore minhoto sofreu os efeitos dessa utilização, levando à assimilação de elementos originariamente estranhos que vieram a perdurar no tempo e a adquirir foros de autenticidade. E, atendendo a que tal situação se verificou principalmente em grupos folclóricos de renome que foram destacados ao tempo do Estado Novo, as adulterações acabaram sendo reproduzidas por outros grupos posteriormente constituídos que tomarem aqueles como referência em vez de procederem à sua própria investigação.
O chapéu braguês constitui precisamente um dos acessórios do traje minhoto que tem sido objecto de adulteração, sobretudo entre os grupos folclóricos da região do Alto Minho. Para além de, na maior parte dos casos já não corresponder ao que era outrora usado, a imaginação e a fantasia levam-no a incluírem nele diferentes adornos e enfeites e até, nalguns casos, irem ao ponto de lhe darem o aspecto do chapéu de toureiro.
Sucede que, para sobreviver, o minhoto ocupava a maior parte do seu tempo na lavoura que era a base do seu sustento. E, assim sendo, não se explica facilmente porque, em muitos grupos, os minhotos aparecem invariavelmente em traje de festa – eles de fato domingueiro e elas com o seu característico “traje à vianesa” – como se tratasse de um povo preguiçoso que mais não soubesse do que cantar e bailar, ao jeito da letra do malhão. Por conseguinte, faltam em muitos grupos folclóricos as figuras que caracterizam as várias actividades da respectiva vivência rural, incluindo o pastor das regiões montanhosas das Argas, da Peneda e do Gerês com as suas coroças de junco.
Pese embora a adopção do chapéu braguês na indumentária exibida pelos grupos folclóricos, ao contrário do que se verifica com o típico barrete camponês, não se trata de um acessório genuíno mas antes um produto da era industrial, a qual veio ameaçar de extinção os antigos costumes rurais que se procuram representar e que acabaria por suscitar a criação de grupos de folclore com o objectivo de preservar as mais genuínas tradições populares, fenómeno este que surge precisamente em Inglaterra e noutros países industrializados.

Autor: Carlos Gomes
Fonte: Portal do Folclore Português