segunda-feira, dezembro 23, 2013

“O Natal não é uma data... É um estado da mente" - Mary Ellen Chase

Da minha infância recordo um Natal especial.
Certo ano, os meus pais resolveram passar o Natal no Alentejo, na modesta e típica casa onde o meu pai fora criado.
Naturalmente que as decorações, a árvore e o presépio ficaram em Lisboa e por l...á não havia nada. De um galho jeitoso decorado com laranjas improvisámos uma árvore de Natal, com rolhas recriámos o presépio e como não tínhamos televisão a noite foi passada em torno da lareira, com jogos de tabuleiro e a contar estórias.
Antes de nos deitarmos lá deixámos os sapatos do meu pai na lareira, para que as prendas fossem proporcionais ao tamanho, e no dia seguinte foi a mesma alegria de sempre a rasgar o papel de embrulho ao som crepitante da madeira a queimar.
Não me recordo da prenda que recebi mas ainda hoje, quando o frio se mistura com o cheiro da madeira queimada das lareiras, costumo dizer “cheira a Natal”.
 
Feliz Natal
 

quinta-feira, dezembro 12, 2013

segunda-feira, novembro 25, 2013

Cante ao menino - Vila Verde de Ficalho



Estando a apróximar-se o mês de Dezembro não puderia deixar de públicar este Cantar ao Menino de Vila Verde de Ficalho (Alentejo) recolhido por Michel Giacometti

quarta-feira, novembro 20, 2013

Folclore de Olivença: entre o Alentejo e a Extremadura Espanhola


Por Carlos Gomes

O concelho de Olivença é originariamente uma terra alentejana, com os seus usos e costumes característicos do Alto Alentejo, o seu modo de falar a Língua portuguesa com a pronúncia característica das gentes daquela região e o seu património histórico e artístico a atestar a sua secular portugalidade firmada desde o Tratado de Alcanizes. Porém, a conjuntura política dos finais do século XVII levaram à sua ocupação militar por parte de Espanha por ocasião da chamada “guerra das laranjas”, ocorrida em 1801. Esta situação levou ainda ao desmembramento do concelho de Juromenha uma vez que, também a Aldeia da Ribeira – atual freguesia de Vila Real – passou a integrar o município oliventino como se do seu termo fizesse parte.


A partir de então, diversos sucessos ocorridos ao longo de mais de dois séculos de ocupação, entre os quais se destaca a guerra civil espanhola e a ditadura franquista, determinaram a alteração do equilíbrio demográfico, registando-se um progressivo abandono por parte dos oliventinos de origem portuguesa e a sua substituição por gentes oriundas da Extremadura e outras regiões de Espanha. A maioria dos que ficaram foram reduzidos à situação de pobreza, fixaram-se nas aldeias em redor e foram sujeitos a um processo de assimilação, vendo os seus próprios nomes de batismo convertidos para o castelhano.

A realidade, porém, é que tendo a realidade social sido alterada e colocando de parte julgamentos de natureza política, Olivença acusa presentemente uma forte influência da extremenha a par de uma surpreendente resistência da cultura portuguesa. É que, manter viva a chama da cultura portuguesa através de uma dezena de gerações que viveram sob as circunstâncias mais difíceis, sem qualquer estímulo por parte do Estado português para além da manutenção jurídica da questão territorial como uma posição de princípio, convenhamos que não é tarefa fácil. Pelo que, certos juízos de valor que por vezes se fazem acerca da vontade dos oliventinos, sem discriminação sequer quanto à sua origem, só podem ser entendidos como cínicos ou ridículos.

Essa influência extremenha revela-se nomeadamente através do próprio folclore, sendo usual os grupos folclóricos e de música tradicional interpretarem danças e cantares que claramente se distinguem quanto à sua origem e, na realidade, nem sequer se confundem. Danças como “O Pescador” e o “Verde-gaio” são representadas a par de jotas e coplas extremenhas. É uma realidade diferente que é resultado de processos históricos em relação aos quais não podemos culpar aqueles oliventinos cujas origens não se filiam na nação portuguesa. Mas, aquilo que devemos fazer e encontra-se ao nosso alcance é o estreitamento das relações culturais com Olivença, nomeadamente através do intercâmbio com os grupos folclóricos e de música tradicional ali existentes, aceitando e compreendendo as diferenças e relevando a sua identidade portuguesa e as suas características alentejanas.

Em tempos, o Rancho Folclórico “La Encina”, interpretava uma cantiga muito popular em Olivença nos começos do século XX, marcadamente portuguesa. Recolhida por Bonifácio Gil e publicada no seu “Cancioneiro Popular da Extremadura”, trata-se de uma melodia melancólica cujo tema sugere a aproximação geográfica ao rio Guadiana, relacionada com a faina da pesca e com toda a probabilidade originária da antiga Aldeia da Ribeira, atual freguesia de Vila Real.

O tema, que possui curiosas semelhanças com outras cantigas do cancioneiro popular português, trata das relações amorosas do pescador com uma mulher casada, qual “sereia que canta bela e que perdido é remo e vela”…e os conselhos da gente para que volte atrás nos seus propósitos. Na realidade, uma versão diferenciada da cantiga do “pescador da barca bela”!
Ó pescador da barquinha
Volta atrás que vais perdido
Essa mulher que tu amas
É casada e tem marido;
Casada e marido tem,
Ó pescador da barquinha
Volta atrás que não vás bem.
Fugiste-me ingrato
Deixaste-me só
No alto da serra
Sem pena nem dó

Imagens:  Museo Etnográfico González Santana (Olivença)
Fonte: Folclore de Portugal

quinta-feira, novembro 07, 2013

Folclore: das Paradas Agrícolas aos Cortejos Etnográficos


por Carlos Gomes

Os cortejos etnográficos constituem um espetáculo geralmente muito apreciado do público, mesmo comparativamente às exibições de ranchos folclóricos, vulgarmente designadas por festivais. Em diversas localidades do país, eles integram as respetivas festividades, atraindo milhares de forasteiros e tornando-se, quase sempre, um dos momentos mais apreciados do público. São exemplo o cortejo nas Festas em Honra de Nossa Senhora da Agonia, em Viana do Castelo e nas Feiras Novas, em Ponte de Lima.

Nas aldeias e freguesias em redor, o povo prepara com afano a sua participação no aprazado cortejo, levando consigo os elementos mais característicos que de alguma forma identificam a sua terra, procurando representar aspetos peculiares dos ciclos do trabalho desde a sementeira do linho à sacha do milho, da pastorícia à produção do vinho. A acompanhar, a rusga ou o rancho a animar o desfile com as alegres rapsódias do folclore local. E o povo que se apinha à beira do passeio para ver passar os figurantes, interage com eles que, não se fazendo rogados, brinda os mais sequiosos com malgas de verdasco.
O aparecimento dos cortejos etnográficos remonta aos começos do século XX e tem a sua origem nas paradas agrícolas que então se realizavam como uma mostra das produções locais com vista a incentivar as atividades económicas e promover o desenvolvimento da respetiva região. O elemento etnográfico apenas surgia como uma forma de emprestar um ambiente pitoresco a contento de uma burguesia apreciadora de costumes por ela considerados bizarros. Porém, não constituía a sua principal finalidade, pese embora servirem para transmitir uma ideia de que o trabalho era valorizado e, como tal, o próprio povo que o realizava.
A revista “Ilustração Portugueza” dá-nos conta de diversas paradas agrícolas que então se efetuavam, aliás à semelhança das exposições de outros produtos como o objetivo de promover a sua venda e exportação. Juntamente com o jornal “O Século” a que se encontrava ligado e constituindo um instrumento de propaganda dos ideais republicanos e da maçonaria, aquela revista era especialmente difundida entre os sectores burgueses estabelecidos nos centros urbanos de quem, aliás, recebia os clichés e as notícias que publicava, mantendo uma rede de correspondentes que se estruturava paralelamente à própria organização política.
A revolução industrial determinou a necessidade de se organizarem certames, alguns de projeção internacional, com vista à promoção dos produtos dos vários países e a divulgação das mais recentes realizações da indústria e da tecnologia. São tais eventos que estão na origem das exposições mundiais e nas grandes feiras industriais que são levadas a efeito pelas associações empresariais de diversos sectores de atividade. Mas, também a uma escala regional foram surgindo iniciativas do género que ainda subsistem, embora registando modificações que o tempo lhes impôs.
Ao mesmo tempo que se realizavam as paradas agrícolas, surgiam em diversas localidades grupos folclóricos mais ou menos constituídos como tal que serviam sobretudo para animar algum acontecimento ou festividade que então se realizava. Com o advento do Estado Novo, tais paradas agrícolas receberam novas influências e apresentaram um novo figurino. Mais do que promover os produtos regionais, os cortejos etnográficos passaram a transmitir uma nova ideologia assente na doutrina do Corporativismo pelo que, nalguns casos, chegaram mesmo a receber a denominação de “Festa do Trabalho” como sucedeu em Viana do Castelo. Entretanto, o aparecimento de numerosos ranchos folclóricos sob o incentivo e o patrocínio da Junta Central das Casas do Povo, da FNAT e da Mocidade Portuguesa veio colocar definitivamente o folclore como elemento central dos referidos desfiles, embora também associados a finalidades de propaganda e promoção turísticas. A partir de então, o folclore ficou etiquetado e arrumado em gavetas que correspondem a uma divisão administrativa em províncias que foi ensaiada pelo Estado Novo mas que, na realidade, não passou de umas manchas coloridas no mapa de Portugal. Um pequeno punhado de ranchos de diversos pontos do país foi escolhido e especialmente apadrinhado para representar as respetivas províncias, o mesmo sucedendo com o artesanato, os trajes tradicionais e as próprias festas e romarias, como se a cultura tradicional das diferentes regiões assentasse num único padrão e, entre elas não existissem cambiantes de luz e cor e as pessoas não se influenciassem mutuamente no contacto entre si, na feira, no trabalho ou na romaria e as migrações internas fossem algo inexistente.
Quem assiste ao cortejo etnográfico que se realiza em Viana do Castelo por ocasião das Festas em Honra de Nossa Senhora da Agonia tem a probabilidade de deparar com a participação no referido desfile de algumas unidades industriais como os Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Sucede que, não se tratando propriamente de uma representação etnográfica, a mesma só poderá resultar de uma certa inspiração no figurino da “Festa do Trabalho” que outrora ali tinha lugar.
Nos tempos mais recentes, um tanto com base em modelos importados sobretudo dos antigos países socialistas, algumas localidades organizam geralmente por ocasião do respetivo feriado municipal um desfile daquilo a que costumam designar por “forças vivas” e que incluem indiscriminadamente e sem quaisquer preocupações de ordem estética, ranchos folclóricos, bandas de música, fanfarras dos bombeiros, coletividades desportivas, entidades fabris e toda a espécie de agremiações. Em lugar dos tradicionais arcos decorativos, as artérias que constituem o seu percurso são frequentemente engalanadas com bandeiras de cores variadas e formatos reduzidos, um género também ele originário daqueles países. Não se trata, pois, de um desfile etnográfico mas antes de uma manifestação política ao jeito municipalista ao qual os ranchos folclóricos emprestam o seu colorido e animação com o toque das suas gaitas.
Em síntese, o cortejo etnográfico representa um género de espetáculo que teve a sua origem como meio de propaganda com a finalidade de promover os produtos e atividades regionais, evoluindo para novas formas de acordo com as transformações sociais e políticas que entretanto se foram registando na sociedade portuguesa. Porém, continua a ser uma das componentes mais apreciadas do público sempre que as mesmas surgem integradas nas festividades, apresentando quadros animados e coloridos das tradições locais.

terça-feira, novembro 05, 2013

Exposição de Têxteis

Muito embora já tenha publicado um artigo sobre a Conservação deTrajes, nunca me tinha debruçado sobre a sua exposição.
Por esse país fora tenho admirado inúmeros pequenos museus dos ranchos folclóricos, um espólio imenso e riquíssimo, exposto à medida das condições e conhecimentos de cada grupo.
Sobre esta matéria encontrei um pequeno artigo no Jornal Folclore (nº 201, Nov.2012) de António Lopes Pires, autoridade nesta matéria, e que passo a transcrever:

“(…) A exposição de tecidos exige sempre cuidados especiais. Vejamos alguns:
1.       O maior inimigo do têxtil é a luz solar. Os raios ultra violetas tiram a cor, fragilizam as fibras, acabando por as destruir completamente.
Assim, expor na sala da sua sede, só se as janelas tiverem cortinas que não deixem entrar muita luz, ou seja, não mais de 50 luxes (a intensidade luminosa pode medir-se com um luxímetro, aparelho que se compra nas da especialidade e não é de preço proibitivo).
2.       A exposição permanente, fora de vitrinas, também não é aconselhável por causa do pó que a pouco e pouco irá fazer muito mal às peças.
3.       Outro mal que se deve evitar, eu diria, situação em que nunca se deve cair é expor peças de vestuário nas paredes das salas, suspensas em pregos metálicos. Aqui os males são três: a) As humidades da parede transmitem-se aos tecidos propiciando condições para a criação de bolores, outro grande inimigo. b) Os pregos enferrujam e, pouco tempo depois, transmitem essa ferrugem aos tecidos. c) Como o peso das peças se exerce apenas na pequena porção das fibras por que estão suspensas, é certo que irão romper por ali.
A exposição de têxteis só deve fazer-se, temporariamente. Se o leitor quer expor os seus trajes, então faça-o em cima de mesas para que as peças estejam em descanso. E vá rodando os elementos expostos todas as semanas ou todas as quinzenas. Assim mostrará o seu acervo e não prejudicará as peças. A melhor forma de as guardar é dentro de gavetas, gavetões ou prateleiras adequadas, o menos dobradas possível, e sempre tendo em conta os cuidados que já referi neste Jornal sobre a conservação de têxteis. (…)”

Imagens: Exposição “Trajes de Portugal – Cultura e Tradição” organizada pelo Grupo Cultural de Vila Fria em 2008

 

segunda-feira, outubro 28, 2013

Pé descalço


Por Eng. Manuel Farias

Por vezes assistimos a grandes discussões sobre a autenticidade do calçado no folclore português: se as botas podem ter rasto de borracha, se as chinelas podem ter bordados e lantejoulas, se os tamancos são com biqueira levantada, se o couro é preto ou castanho natural, etc. E que tal ir um pouco mais além e questionar: dentro do mesmo grupo de folclore quem deverá andar calçado e quem deverá andar descalço?
Vamos descalçar esta bota.

Os últimos reis da dinastia de Bragança tomaram medidas para modernizar os usos lisboetas, nomeadamente através da proibição de entrar em Lisboa com pé descalço. Os reis Luis e Carlos promulgaram decretos sobre esta matéria e deu em nada, numa altura em que os portugueses tinham o uso arreigado de andar descalços, por penúria ou tradição; mesmo nas estações mais frias, esta prática era observada pela vasta multidão de indigentes das cidades e seus sub-urbanos e pela generalidade dos aldeões com coirato enrijecido. A primeira república produziu pouco, em matéria de legislação e em condições materiais, apesar dos relatos cruéis e severos dos estrangeiros, referindo os portugueses como selvagens, numa época em que “…nem os marroquinos andam descalços”.

A Liga Portuguesa da Profilaxia Social foi fundada em 1924 por três jovens médicos (António Magalhães, Cândido Cosa e Veiga Pires) e uma das suas primeiras campanhas foi dirigida ao uso do pé descalço, considerando-o “…indecoroso, inestético e anti-higiénico”, através da publicação do livro “O Pé Descalço – Uma Vergonha Nacional que Urge Extinguir”, em 1928 e que viria a ser objecto de reedição para uma nova e intensa campanha dirigida ao norte do país, para erradicar os persistentes, em 1956. Em Agosto de 1926 foi publicado o decreto-lei nº 12073 que impunha:

a)      É proibido o trânsito de pessoas descalças na via pública das áreas das cidades, que serão delimitadas por postura municipal;

b)      As disposições poderão igualmente ser aplicadas a outras localidades por decisão dos governos civis;

c)       A transgressão do disposto será punida com uma multa de $50 a 2$00. A reincidência será punida com o dobro da pena.
Isto significa que me 1926 as autoridades apenas proibiam o uso do pé descalço dentro das cidades. Em simultâneo, o Estado Novo editou brochuras sobre a necessidade de erradicar estes usos, visando tirar das cidades mendigos, desempregados que podem trabalhar, vendedores ambulantes e outros parasitas que se servem de “…manha, insolência, ameaça, violência, etc.”. Naturalmente, o Estado Novo combinava o propósito de erradicação do pé descalço com a violência social da sua ideologia de direita, atacando a pobreza através de decretos e varrendo o lixo civilizacional para debaixo do tapete da classe dominante.
Com estas medidas poderemos dizer que o hábito do descalço nas cidades foi erradicado na década de 30 do século XX, com forte empenho dos governos civis e fiscalização da PSP. O uso manteve-se arreigado no mundo rural português, que representava em meados do século XX mais de dois terços da população.

Em Agosto de 1947, foi promulgado o decreto-lei nº 36448 que deu um novo impulso a este movimento profilático. A nova campanha foi simultânea com programas de vacinação anti-tétano e apoiada na sensibilização para a saúde pública. Com efeito, este fenómeno não era explicado apenas pelo argumento da pobreza, mas sobretudo pela habituação; os documentos da época consideravam que o Alentejo era a única região do país onde os rurais andavam calçados.
Na década de 50, muitas pessoas, mulheres e homens, foram apresentadas ao Tribunal de Polícia, depois de presas durante 1 ou 2 dias, quando eram apanhadas a circular descalças nas cidades e nas vilas, já que nas aldeias a liberdade era outra. Aqui viam-se mulheres com arcadas de ouro e pé descalço, no verão sempre e muitas vezes todo o ano. Viam-se homens com botas dependuradas ao ombro, ou tamancos metidos nos alforges, para calçar apenas na chegada à vila, evitando assim multas e chatices.

Onde está este uso do povo representado nos grupos de folclore?

Fonte: Jornal Folclore, nº 202, edição Dezembro 2012

sexta-feira, outubro 25, 2013

Coleção de figuras da Viscondessa de Carnaxide


Na “Ilustração Portugueza” de 18 de Janeiro de 1904 podemos encontrar um artigo de Santos Tavares, intitulado “Habitações Artísticas”, onde descreve a beleza da decoração da casa da “Ex.ma Sr.ª D. Sarah Motta Marques”, viscondessa de Carnaxide.
A determinada altura da visita realça uma coleção muito especial.

“N’um corredor de passagem vimos uma serie de armarios abrigando uma multidão de bonecas, trajando conforme os usos de cada paiz. Impossivel referencias exactas, basta dizer que a collecção, curiosa e attrahente, atinge o elevado numero de duzentas.
E, ao olharmos cada uma d’aquellas figuretas, como que deante dos nossos olhos perpassam civilisações, parece que corremos mundo, e, n’um colorido evclorama temos a impressão nítida de todos os costumes.

N’esse armário a Hespanha, com as manolas e toureiros, typos de rua, tudo o que é profundamente característico: os gestos impetuosos, a graça desvairada, o exagero, a alegria no berrante dos trajes, os perfis languidos, a sedução e … até a perfídia se exibe n’aquelles olhos pintados na porcelana.
A França, eil-a: typos bretões que parecem escutar o murmúrio nostálgico do Morbiban, a delicadeza taful, conganita da raça, os trajes igualmente coloridos, d’um pitoresco probo; até que, perto da entrada, vemos a curiosa galeria das ordens religiosas. É a vitrine do recato e unctuosidade, da candidez, do sacrifício, do holocausto, das irmãs enfermeiras, das missionárias das ordens francezas, dandies nas suas tunicas azues e brancas, quasi galanteadoras como na hora em que se alheiaram do mundo para a solidão intranquila dos claustros.

Todos os paizes do globo teem ali os seus representantes, com pormenores exactos de toilette.”
Muito embora o artigo não refira, a presença de figuras com trajes portugueses pode ser observada através das fotografias que o ilustram.

Quanto à coleção dos viscondes de Carnaxide, Sarah Motta Marques e João Arroio, seria interessante saber onde se encontra, em que condições e qual o seu historial.

terça-feira, outubro 22, 2013

O Trajo Saloio ("O hábito faz o monge?")


Sobre o trajar dos saloios

Não é muito fácil definirmos concreta e definitivamente o trajo saloio. Cremos mesmo não ser muito correta a afirmação TRAJO SALOIO, mas sim o TRAJAR DOS SALOIOS.

O saloio é, cremos que poucas dúvidas se levantam hoje em dia, o camponês dos arrabaldes de Lisboa, aquele que durante muitos anos forneceu a cidade dos produtos frescos provenientes das hortas destes sítios. Assim o trajar destes homens do campo tinha uma ligação muito estreita com esta sua atividade, não se podendo, no entanto, diferenciar do de outros camponeses que trabalhavam noutras zonas da Estremadura ou mesmo do Ribatejo ou do Alto Alentejo. Não cremos que haja uma característica de indumentária exclusiva dos saloios. Barretes, peça que, de facto, identifica sobremaneira o homem saloio, existem também em vários outros pontos de Portugal; bem assim como as faixas na cintura; bem assim como o varapau. Nas mulheres o uso do lenço e o seu tipo, é muito semelhante, por vezes igual, ao da maior parte das regiões do país. Mas, na indumentária feminina encontramos algo que, ao que pudemos observar até agora, se pode revelar como único, a célebre carapuça saloia, a que faremos maior referência no capítulo seguinte. Depois de observarmos muitas gravuras, podemos, para já, concluir pela exclusividade deste elemento, com estas características, como algo retintamente saloio.

Há no trajar dos saloios algumas particularidades e diferenças, que não são estabelecidas em função das várias profissões que existem como até se podia supor. Ou seja, o jornaleiro, o moleiro ou o condutor de carroças, quando trabalham envergam o mesmo tipo de roupa, a grande diferença (e possível diferenciação) está quando chegam os dias de festa ou os dias santos, em que se usam os melhores fatos, aqueles mais novos e onde é então possível vislumbrar quem tem maiores posses, maior poder monetário para compor de forma mais adornada o seu vestuário.

Afirmamos pois que o saloio não possui um trajo que o distinga claramente de outros camponeses seus vizinhos. Mas também não podemos escamotear o facto de os saloios trajarem de forma muito semelhante entre si e que, frequentando mais assiduamente a cidade de Lisboa que os camponeses de outros locais, se tenha fixado um certo tipo de trajar como o trajo saloio e que, aos longo de muitos anos, vários estudiosos, pintores e fotógrafos tenham tentado fixar este homens e estas mulheres com os seus trajos característicos.

É isso que aqui, de forma sucinta, breve (tendo em conta o século XIX e primeira metade do século XX) e o mais completa possível, iremos agora fazer. Dar-lhes o retrato mais fiel do trajo envergado pelo saloio e pela saloia. No final falaremos, ainda que brevemente, do que cremos ser o trajar saloio hoje em dia.

 

A proteção para a cabeça

O barrete saloio é talvez a peça da indumentária masculina mais conhecida. Não é, no entanto, exclusivo destes homens. Os campinos das lezírias ribatejanas também o usam, assim como os pescadores de várias zonas costeiras do país. Mas é, sem dúvida, com os homens saloios que este objeto mais se identifica. É quase sempre negro, mas também se usou vermelho e verde, semelhante ao dos já citados campinos e por vezes com borlas coloridas, consoante o estado civil daquele que o usa. Mas foi o barrete totalmente negro que mais se difundiu e, cremos, que nenhum saloio retinto o tenha, alguma vez, deixado de usar.

Mas não era esta a única proteção para a cabeça que os saloios usavam. O chapéu de abas largas era também muito usado e, por vezes, a cartola surgiu igualmente (chamado chapéu “zabumba”). Nos nossos dias o comum boné substituiu, em larga escala, todos os outros.

Nas mulheres o lenço foi rei e senhor. Houve tempos, até meados do século XIX, em que, em conjunto com o lenço, a mulher saloia cobria a cabeça com uma carapuça, conhecida exatamente como carapuça saloia. Curiosa a quadra que J. Leite de Vasconcellos recolheu no Cancioneiro Popular Português:

«Sou Saloia, trago botas,
e também trago meu mantéu,
Também tiro a carapuça
a quem me tira o chapéu».

Mas enquanto esta carapuça caía em desuso o lenço foi-se mantendo, sendo ainda hoje muito usado pelas saloias mais idosas.

 

O Tronco

Consoante a sua função, a estação do ano e, sobretudo, a ocasião, assim o saloio a e saloia vestiam a blusa, a camisa, o colete, o casaco, a casaquinha, o mantéu ou a jaqueta.

Da roupa interior, sempre utilizada, falaremos mais adiante, mas por cima da sua camisola e no que diz respeito ao tronco, o saloio vestia, invariavelmente, uma camisa.

Assim, este homem usava a sua camisola interior, de cor branca e muitas vezes, em situação de trabalho, de outras cores, nomeadamente cores escuras. Por cima desta usava a camisa que era, normalmente, “enfiada” pela cabeça. Estas eram aquelas camisas que tinham apenas uma pequena enfiada de botões na parte superior, no chamado espelho. Havia também outras que tinham duas frentes de botões até ao fundo. Outra característica residia no facto de terem ou colarinho, ou a chamada “gola à padre”. Estas camisas eram, na sua grande maioria de cor branca, mas também as havia de outras cores, sempre sóbrias. Por sobre a camisa vestia, invariavelmente, o colete preto, cinzento ou castanho, quase sempre. Este colete, em situação de trabalho, e por vezes mesmo nas festas, usava-se desabotoado. Quando trabalhava era esta a cobertura do tronco, quando assim não acontecia vestia ainda a jaqueta de cores escuras com maiores ou menores adornos (tais como os alamares) consoante o maior ou menor poder económico do seu proprietário.

À volta da cintura, o saloio usava, frequentemente, a faixa ou cinta de cor preta (mais raramente vermelha), por vezes com um bordado nos dois extremos e franjas nas pontas.

Nos dias invernosos usavam a samarra ou o capote, que vários autores consideraram como “irmão gémeo do capote alentejano”.

A saloia era mais alegre e graciosa nas vestes que cobriam o seu tronco. Assim, e de maneira geral, usava uma blusa cintada, com aba, franzida ou com um machinho, blusas estas que tinham padrões floridos e, não raras vezes, eram de cores alegres e vivas. Por sobre estas usavam as vasquinhas, curtos gibões, ou casaquinhos de chita, ajustados ao busto. Usavam também um xaile pelas costas, sobretudo em casa, predominantemente as mais velhas.

Como roupa interior, a saloia usava igualmente o corpete, servindo para “segurar o seio”; algumas preferiam o espartilho. Era alva esta roupa interior.

Também a saloia usava capote, ou capa, para se proteger do frio e dos dias chuvosos.

 

As pernas

O saloio usava, obviamente, calças. Calças que, de forma geral, tinham bolsos direitos, apertavam à frente com botões e atrás ajustavam com uma fivela; eram de talhe direito e folgadas ou, mais comummente, justas à perna alargando em baixo de forma a tapar a parte superior da bota. Eram, usualmente, em cotim, às riscas verticais ou lisas, e também em fazenda ou outros tecidos grossos. No trajar mais “cuidado” usavam calças feitas de “pele de diabo” – bombazina.

A saloia usava, obviamente, saias. A saia era sempre comprida, embora nunca fosse a arrastar pelo chão. Em situações de trabalho usava-a um pouco mais curta, de forma a não atrapalhar os movimentos do seu trabalho.

Para além das saias, a saloia usou durante muito tempo a sobresaia que, muito provavelmente, foi mais tarde substituída pelo avental (também chamado anágua). Este objeto não tinha apenas a função utilitária de evitar sujar a saia, mas era igualmente um adorno utilizado não só nos dias de trabalho mas também em situações festivas, onde era costume estrear um avental novo.

Os pés

Nos pés os saloios usavam quase sempre botas de couro. No trabalho, na festa, na igreja. Só os mais endinheirados usavam, por vezes, o sapato, embora mesmo estes optassem, frequentemente, pela bota ou botim, talvez uma pouco de melhor qualidade e por conseguinte mais caro.

Eram, normalmente, de couro branco, curtido com o passar do tempo e do uso. Eram também ferrados, com o fim de durarem mais tempo e os saltos tanto podiam ser de prateleira com um pequeno tacão. Tanto estas como as de tacão raso tinham sempre as “tacholas”. Podiam ser de cano inteiriço, até meio da perna, mas o mais natural era serem mais baixas, sobretudo as que eram utilizadas no trabalho do campo.

A saloia também usava bota, normalmente de cano curto e com um pequeno salto.

Em dias de festa deixava, por vezes, as botas e calçava sapatos rasos de cordovão de cabedal branco. Também havia aquelas que cobriam os pés com umas grossas botifarras de couro atanado, de cano alto e fechadas verticalmente por meio de uma carreira de botões.

 

Retirado de "O Trajo Saloio" - Brochura editada pela Câmara Municipal de Loures / Departamento Sócio-cultural - Texto de Francisco Sousa - Novembro de 1995


Imagens ilustrativas: Recolha efetuada na internet

quarta-feira, outubro 02, 2013

SEMINÁRIO "O Valor Intemporal das Tradições Infantis" em Boidobra

O Rancho Folclórico da Boidobra vai organizar no dia 12 de Outubro um Seminário com o tema O VALOR INTEMPORAL DAS TRADIÇÕES INFANTIS.
Este Seminário constitui uma iniciativa que visa por um lado "celebrar", divulgar e preservar as tradições infantis enquanto manifestações intemporais da cultura, e por outro lado evidenciar, a importância da sua integração no processo de ensino e aprendizagem.
O Rancho Folclórico da Boidobra procura com esta iniciativa dar o seu contributo no sentido de se pensar discutir e aprofundar os modelos de representatividade dos grupos folclóricos e, desta maneira assegurar uma maior qualidade nas formas como se apresenta as várias manifestações da cultura tradicional.

“Cidades das Tradições” no Parque de Jogos 1º de Maio




Entre 5 e 6 de outubro no Parque de Jogos 1º de Maio - Av. Rio de Janeiro, em Lisboa, aproveitando um passeio pelas avenidas, ruas e travessas, largos e jardins da nossa memória, surge uma oportunidade única para aprender a dançar o vira e o fandango, a moldar o barro, a construir brinquedos e instrumentos tradicionais.
Com este evento, promovido pelo INATEL, será possível efetuar uma viagem pelos sons, danças e cantares, cheiros e sabores da tradição portuguesa
Durante estes dias poderão apreciar:
Etnografia
Música popular tradicional
Workshops de folclore, olaria e bordados, aerofones e cordofones
Construção de instrumentos tradicionais
Teatro de robertos
Jogos tradicionais
Artesanato
Gastronomia tradicional
Horário:
5 de outubro, das 12h às 24h
6 de outubro, das 11h às 20h
Entrada Livre

quinta-feira, setembro 19, 2013

quarta-feira, agosto 14, 2013

segunda-feira, agosto 12, 2013

O Ouro no Traje da Mulher – Entre Douro e Minho


O ouro que cada mulher ostentava, conforme a sua quantidade, indicava o seu estatuto social.
A joalharia portuguesa era um adorno complementar do traje. Num mundo de constantes flutuações políticas e económicas, a posse do ouro era tida, a par da terra, como o único investimento passível de ser transmitido de geração em geração.
“O povo dizia: “roupa quanta rompas, terra quanta vejas e ouro quanto possas”.
Os brincos são verdadeiros pontos de luz que iluminam, realçam e embelezam o rosto da mulher.
No passado, nenhuma mulher tinha sequer a veleidade de se apresentar em público sem brincos. Aliás, ninguém a desculpava. O povo era até cruel e impiedoso com ela. Mulher sem brincos não passava de uma “mulher fanada”. Por mais humilde e pobre que fosse, a mulher jamais se atreveria, quer no seu dia-a-dia, quer em dias de festa, feira e romaria a sair à rua sem eles. Apenas existia alguma compreensão e benevolência para a falta de brincos se, eventualmente, estes tivessem sido oferecidos, em momentos de grande angústia e desespero, a alguma divindade para cumprimento de qualquer promessa. Mesmo assim, a tolerância era relativa e muito curta no tempo. A mulher tinha que providenciar no sentido de adquirir de novo este importante adorno.
Na figura abaixo visualizam-se alguns dos brincos mais usados na região Entre Douro e Minho, destacando-se, em primeiro lugar, as arrecadas à carniceira. Rapariga que se prezasse, removia “mundos e fundos” para poder adquirir o popular traje à lavradeira, que envergava em grandes ocasiões, mas jamais o exibia sem colocar nas orelhas as avantajadas e vistosas arrecadas à carniceira.

As arrecadas à carniceira, também chamadas argolas de Barcelos ou de Cigana, muito em uso, especialmente nessa região. Estas peças começaram a ser muito divulgadas a partir do princípio deste século, em especial pelas mulheres dos talhantes (daí o seu nome) daquela cidade, atestando a sua situação económica com tamanhos que atingiam, por vezes, dimensões desproporcionadas. São peças ocas, de ouro polido com canovão de secção quadrada, de ganchos, com grande incorporação de mão-de-obra.

Arrecada à Carniceira

As arrecadas são as peças com antepassados mais antigos, aproximadamente 2.500 anos e com os mesmos motivos amuléticos. Forma lunular na “janela” ou “pelicano” na parte próxima dos ganchos; pequenas calotas côncavas dispersas (chocalhos afugentadores de maus espíritos); “SS” de filigrana (estilização de pássaros voando); triângulo invertido como remate (símbolo da fertilidade). São peças manuais em filigrana.

Arrecadas



Os brincos de meia libra refletem a utilização de moedas como adorno, não só como pendentes de cordões mas também das orelhas, sendo normalmente utilizadas libras ou meias libras.



Brincos de Meia Libra

Sendo assim, é imperioso que todos os agrupamentos folclóricos jamais olvidem este pormenor: no trabalho, a mulher não ostentava quaisquer elementos em ouro, mas os brincos jamais se separavam dela em todas as situações.

Fontes:
Conselho Técnico de Entre Douro e Minho
Viana Social e Cultural



sexta-feira, agosto 09, 2013