por Carlos Gomes
Os cortejos etnográficos constituem um espetáculo geralmente muito apreciado do público, mesmo comparativamente às exibições de ranchos folclóricos, vulgarmente designadas por festivais. Em diversas localidades do país, eles integram as respetivas festividades, atraindo milhares de forasteiros e tornando-se, quase sempre, um dos momentos mais apreciados do público. São exemplo o cortejo nas Festas em Honra de Nossa Senhora da Agonia, em Viana do Castelo e nas Feiras Novas, em Ponte de Lima.
Nas aldeias e freguesias em redor, o povo prepara com
afano a sua participação no aprazado cortejo, levando consigo os elementos mais
característicos que de alguma forma identificam a sua terra, procurando
representar aspetos peculiares dos ciclos do trabalho desde a sementeira do
linho à sacha do milho, da pastorícia à produção do vinho. A acompanhar, a
rusga ou o rancho a animar o desfile com as alegres rapsódias do folclore
local. E o povo que se apinha à beira do passeio para ver passar os figurantes,
interage com eles que, não se fazendo rogados, brinda os mais sequiosos com
malgas de verdasco.
O aparecimento dos cortejos etnográficos remonta aos
começos do século XX e tem a sua origem nas paradas agrícolas que então se
realizavam como uma mostra das produções locais com vista a incentivar as
atividades económicas e promover o desenvolvimento da respetiva região. O
elemento etnográfico apenas surgia como uma forma de emprestar um ambiente
pitoresco a contento de uma burguesia apreciadora de costumes por ela
considerados bizarros. Porém, não constituía a sua principal finalidade, pese
embora servirem para transmitir uma ideia de que o trabalho era valorizado e,
como tal, o próprio povo que o realizava.
A revista “Ilustração Portugueza” dá-nos conta
de diversas paradas agrícolas
que então se efetuavam, aliás à semelhança das exposições de outros produtos
como o objetivo de promover a sua venda e exportação. Juntamente com o jornal “O
Século” a que se encontrava ligado e constituindo um instrumento de
propaganda dos ideais republicanos e da maçonaria, aquela revista era
especialmente difundida entre os sectores burgueses estabelecidos nos centros
urbanos de quem, aliás, recebia os clichés e as notícias que publicava,
mantendo uma rede de correspondentes que se estruturava paralelamente à própria
organização política.
A revolução industrial determinou a necessidade de se
organizarem certames, alguns de projeção internacional, com vista à promoção
dos produtos dos vários países e a divulgação das mais recentes realizações da
indústria e da tecnologia. São tais eventos que estão na origem das exposições
mundiais e nas grandes feiras industriais que são levadas a efeito pelas
associações empresariais de diversos sectores de atividade. Mas, também a uma
escala regional foram surgindo iniciativas do género que ainda subsistem,
embora registando modificações que o tempo lhes impôs.
Ao mesmo tempo que se realizavam as paradas agrícolas,
surgiam em diversas localidades grupos folclóricos mais ou menos constituídos
como tal que serviam sobretudo para animar algum acontecimento ou festividade
que então se realizava. Com o advento do Estado Novo, tais paradas agrícolas
receberam novas influências e apresentaram um novo figurino. Mais do que
promover os produtos regionais, os cortejos etnográficos passaram a transmitir
uma nova ideologia assente na doutrina do Corporativismo pelo que, nalguns
casos, chegaram mesmo a receber a denominação de “Festa do Trabalho” como
sucedeu em Viana do Castelo. Entretanto, o aparecimento de numerosos ranchos
folclóricos sob o incentivo e o patrocínio da Junta Central das Casas do Povo,
da FNAT e da Mocidade Portuguesa veio colocar definitivamente o folclore como
elemento central dos referidos desfiles, embora também associados a finalidades
de propaganda e promoção turísticas. A partir de então, o folclore ficou
etiquetado e arrumado em gavetas que correspondem a uma divisão administrativa
em províncias que foi ensaiada pelo Estado Novo mas que, na realidade, não
passou de umas manchas coloridas no mapa de Portugal. Um pequeno punhado de
ranchos de diversos pontos do país foi escolhido e especialmente apadrinhado
para representar as respetivas províncias, o mesmo sucedendo com o artesanato,
os trajes tradicionais e as próprias festas e romarias, como se a cultura
tradicional das diferentes regiões assentasse num único padrão e, entre elas
não existissem cambiantes de luz e cor e as pessoas não se influenciassem
mutuamente no contacto entre si, na feira, no trabalho ou na romaria e as
migrações internas fossem algo inexistente.
Quem assiste ao cortejo etnográfico que se
realiza em Viana do Castelo por ocasião das Festas em Honra de Nossa Senhora da
Agonia tem a probabilidade de deparar com a participação no referido desfile de
algumas unidades industriais como os Estaleiros Navais de Viana do Castelo.
Sucede que, não se tratando propriamente de uma representação etnográfica, a
mesma só poderá resultar de uma certa inspiração no figurino da “Festa do
Trabalho” que outrora ali tinha lugar.
Nos tempos mais recentes, um tanto com
base em modelos importados sobretudo dos antigos países socialistas, algumas
localidades organizam geralmente por ocasião do respetivo feriado municipal um
desfile daquilo a que costumam designar por “forças vivas” e que incluem
indiscriminadamente e sem quaisquer preocupações de ordem estética, ranchos
folclóricos, bandas de música, fanfarras dos bombeiros, coletividades
desportivas, entidades fabris e toda a espécie de agremiações. Em lugar dos
tradicionais arcos decorativos, as artérias que constituem o seu percurso são
frequentemente engalanadas com bandeiras de cores variadas e formatos
reduzidos, um género também ele originário daqueles países. Não se trata, pois,
de um desfile etnográfico mas antes de uma manifestação política ao jeito
municipalista ao qual os ranchos folclóricos emprestam o seu colorido e
animação com o toque das suas gaitas.
Em síntese, o cortejo etnográfico
representa um género de espetáculo que teve a sua origem como meio de
propaganda com a finalidade de promover os produtos e atividades regionais,
evoluindo para novas formas de acordo com as transformações sociais e políticas
que entretanto se foram registando na sociedade portuguesa. Porém, continua a
ser uma das componentes mais apreciadas do público sempre que as mesmas surgem
integradas nas festividades, apresentando quadros animados e coloridos das
tradições locais.
Fonte: Folclore de Portugal
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