domingo, novembro 04, 2007

O Ouro do Minho – O Ouro de Viana


Trazer ouro no pescoço

Brinquinhos a dar a dar

É bonita gosto dela

Tem olhos de namorar.


Francisco Sampaio é sobejamente conhecido pelo seu trabalho em prol da defesa das tradições populares minhotas. O texto que vos apresento é da sua autoria, sendo um excerto do catálogo do Cortejo Etno-Folclórico da Romaria da Senhora d’Agonia de 2006, em Viana do Castelo.

Neste texto demonstra a importância do ouro no traje minhoto.

Ouro e Traje – Uma homenagem à mulher e às moçoilas de Viana

Foi o Traje “à vianesa” o grande responsável pela riqueza dos enfeites, das filigranas, das jóias tradicionais e onde a mulher de Viana se sente como ninguém ao fazer do seu “peito” uma mostra de bom gosto e de bem trajar.

Assim, a rapariga de Viana no seu traje de trabalho ou de cotio, nas lides domésticas ou no trabalho do campo não se sente “ourada” quando usa brincos e colar de contas. O subterfúgio da “orelha ferida” ou o epiteto de “fanada” era o mínimo que se podia dizer de uma rapariga sem brincos!

No “traje de domingar” e já a fazer “versos” nos lenços de amor usa o primeiro “cordão”, que lhe concede o estatuto de rapariga namoradeira. O mesmo se passa com o traje de ir à feira.

Só o “traje de festa”, também designado por “traje de luxo” é que “obriga” a rapariga a aparecer “ourada”. E isto significa, quando são mordomas, a aquisição do segundo cordão com “peças” (medalhas de libra ou meia libra), borboletas (corações invertidos), a “laça”, os brincos “à rainha”, a pregadeira das “três libras”, “Santa Custódia” ou “Brasileira” a lembrar os tempos de emigração.

O Traje de Noiva – obriga ao terceiro cordão, oferta do noivo – um cordão grosso, a “soga”, um cordão “de bom cair” pelo seu muito peso, ao trancelim.

O Traje de Morgada – sinónimo de casa farta, boa lavoura, criadagem, tulha cheia, soalhos encerados e o cheiro a mosto das adegas. Uma só jóia na casaquinha justa – a gramalheira / grilhão / bicha. Gramalheira - por se assemelhar a uma corrente grossa usada para suspender os potes de três pernas da lareira; grilhão - pela sua analogia com as correntes metálicas; bicha – pela semelhança da parte do colar a uma cobra com escamas.

A união do colar – ao centro com chapas de ouro lisas e geometricamente recortadas – faz-se com uma roseta em relevo com pedras. Dos braços laterais caem franjas e, ao centro, o medalhão que pode atingir 20 centímetros com os mais variados motivos folclóricos.

Em termos de conclusão podemos afirmar que o Traje e o Ouro à Vianesa estão padronizados a partir do 2º quartel do Séc. XIX, altura em que os regionalismos, no Portugal liberal, se definiam.

A Montra de Oiro de uma Lavradeira

Escolhemos da Montra de Oiro de uma Lavradeira (no dizer do Tenente Afonso do Paço), as seguintes jóias:

ARRECADAS DE VIANA – Castrejas (as complexas arrecadas como as de Laúndos,

Afife e Estela) – Com a sua “janela”, ou “pelicano” ou “bambolina” na sua forma lunular com as respectivas campainhas, sempre em número ímpar, e que têm a virtude

de afastar espíritos maléficos.

ARGOLAS – (Castrejas) – Também, chamadas barrocas, carretilha, a cigana, de Leque (com ou sem turquesas), torcidas, regueifa (com um torcido a imitar o pão de regueifa), indianas (de canovão relativamente fino, de suspensão em gancho ou com

fio de suspensão ao correr da curvatura), carniceiras ou de Barcelos.

COLARES DE CONTAS – (produzidas pelas civilização grega, etrusca e fenícia e que os castrejos, também, adoptaram). As contas vianesas ou os colares de contas de Viana assemelham-se às etruscas. As primeiras contas eram maciças; mais tarde é que passaram a ser ocas. O colar de contas é adquirido pela jovem alto minhota à custa das poucas economias que provinham da venda dos ovos, dos frangos ou das primícias da horta. É usado com uma pendureza, normalmente, uma borboleta, uma cruz de canovão raiada ou uma custódia. Toda a vida.

BRINCOS À RAINHA – ou à “Vianesa” ou “Picadinhos”. São compostos por duas peças, tal como a laça. É do período Rocaille e, pertence pelos ornatos, à chamada gramática de D. Maria I. São, também, amuletos, desenhando formas arredondadas e curvílineas. Quais arrecadas laminares, articuladas por argolins de ouro, recortadas ou vazadas, parecem feitos de renda.

CORDÕES – são fios com dois metros, ou mais, para assim se conseguirem quatro voltas no pescoço. O cordão era o terceiro ouro da rapariga, logo a seguir às arrecadas e ao colar de contas. Conforme a textura dos elos podem ser “sogas” (mais grossos) ou apelidados de “linhas” (mais finos). A lavradeira nunca usa o cordão oco.

PEÇAS / MOEDAS / MEDALHAS DE IMITAÇÃO usadas como ornamento desde os Romanos: são muito correntes os alfinetes com moedas de ouro. As peças são moedas autênticas embelezadas com cercaduras chamadas “encastoamentos”; a medalha de imitação é muito semelhante à peça, diferenciando-se pela moeda que é de imitação e pelo “encastoado” que para se distinguir da verdadeira apresenta tamanho inferior e acabamento menos perfeito.

MEMÓRIAS – São peças ocas, de abrir, de diferentes tamanhos e formas diversas, podendo ser ovais, redondas, quadradas, com feitio de losango, de corações. Exprimem quase sempre uma saudade, encerrando em cofre uma madeixa de cabelo, um fragmento de vestido, uma pequena frase ou simples letras, uma breve oração, uma fotografia, constituindo terna recordação.

CRUZES – peças que se apresentam com variadíssimos formatos:

a) as fundidas com resplendor (na parte superior) que são cruzes maciças e acabadas manualmente. Têm na parte superior e em redor dos braços, um resplendor e, na parte inferior, uma “Mater Dolorosa” ou uma Senhora da Conceição.

b) Cruzes de “canovão” e filigrana – têm resplendor em filigrana, “rodilhões” e na parte inferior a “Mater Dolorosa” ou Senhora da Conceição.

c) Cruzes barrocas – são ocas, apresentando os braços bojudos e muitos motivos florais em relevo.

d) Cruzes de estrelas ou de Malta têm as linhas da Cruz de Malta, filigranada, guarnecidas com curiosos esmaltes.

LAÇA – Jóia de intervenção real, depois, popularizada. Formada por duas peças. Foi atribuída a D. Maria Ana de Áustria, a célebre “laça das esmeraldas”. É a primeira jóia verdadeira do Minho, constituída por uma laçada dupla e decoração de fios enrolados, podendo ter um diamante ao centro. O seu nome provem da argola que tem por trás para ser usada com uma fita de seda. Mais tarde, tomaram a forma que tem hoje – coração invertido.

CUSTÓDIA – Também, chamada relicário, “questódia”, “lábia”, “brasileira”. O nome provém da semelhança na parte central com os expositores do “Santíssimo” ou “Ostensórios”.










CORAÇÃO – Oferta de D. Maria I como ex-voto ao Coração de Jesus para ter um filho varão. Assim, nasce a Basílica da Estrela. Coração que enche o peito das nossas mulheres e raparigas no Traje à Vianesa. Coração com que D. Maria I manda timbrar as grandes condecorações nacionais: as Ordens de Cristo, Avis e Santiago.

TRANCELIM – só deve ser adquirida depois da Lavradeira ter o segundo ou terceiro cordão. É uma peça muito trabalhada de trazer ao pescoço e da qual se suspendem medalhas ou “pendurezas” a distinguir: a borboleta, a custódia, o crucifixo, o coração opado, a laça, a peça ou a medalha. Os trancelins têm o mesmo cumprimento que os cordões, mas os seus elos são trabalhados, normalmente, em filigrana. Conforme o formato, são designados de trancelins de losangos, de lampião e de rodilhão.

GRILHÃO / GRAMALHEIRA / BICHA – Constituído por um colar tecido de finíssimo fio de ouro, chapas recortadas e perfuradas. A união do colar faz-se com uma roseta em relevo. Ao centro, existe um medalhão ornado com motivos florais. Uma das mais bonitas peças – a mais “requintada” e a mais “obrada” e com um significado de abastança do lar minhoto. Jóia que significa a apoteose do Ouro do Minho.

Bibliografia: Francisco Sampaio, O Ouro do Minho – O Ouro de Viana, catálogo do Cortejo Etno-Folclórico da Romaria da Senhora d’Agonia, Viana do Castelo, 2006.

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3 comentários:

Anónimo disse...

Mto deste ouro tb é tradicional de Gondomar!!!!! Conhecida pela Terra da Filigrana!!!!!
Os nossos trajes trazem peças unicas e de rara beleza!!!!

Carlos Cardoso disse...

Olá Lucia

Segundo informações que tenho, parte deste ouro pode mesmo ter passado por Gondomar, já que, apenas em Lisboa, Porto ou Gondomar, se pode colocar a marca de ouro, que certifica a autenticidade das peças vendidas/produzidas em Portugal.
Obrigado pelo seu comentário e pela visita ao blog.

Calos Cardoso

José Carlos Meneses disse...

Caro Carlos Cardoso,
Dei com este blogue há dias e já reparei em detalhes que pretendem desconstruir muitas inverdades. Felicito-o pelo esforço…
Eis a atenção para uma passagem da obra de Francisco Sampaio:
1. "Em termos de conclusão podemos afirmar que o Traje e o Ouro à Vianesa estão padronizados a partir do 2º quartel do Séc. XIX, altura em que os regionalismos, no Portugal liberal, se definiam."
1.1 É com A. Garrett (1799-1854) que a arte popular é dimensionada como algo a estudar e a desenvolver.
1.2 Mas o Portugal de então vivia uma guerra civil, finalizando com a "Maria da Fonte" e a "Patuleia".
1.3 É com A. Garrett (1799-1854) que a arte popular é dimensionada como algo a desenvolver.
1.4 Será que os regionalismos têm condições para tamanha riqueza "dourada"?
Cordialmente,
José Carlos Meneses