
Em 1991, o Museu do Trabalho de Setúbal, com uma vasta colecção de instrumentos agrícolas e objectos do quotidiano recolhidos por Giacometti, passou a denominar-se Museu do Trabalho Michel Giacometti. A reabertura foi em 18 de Maio de 1995. O seu espólio encontra-se também noutros museus, como o Museu Municipal de Ferreira do Alentejo, o Museu da Música Portuguesa (Casa Verdades de Faria em Monte Estoril) e ainda o Museu Nacional de Etnologia.
A propósito desta exposição e para ilustrar uma das imagens, Maria Micaela Soares (Etnolinguista, fundadora do Serviço de Cultura e o Serviço de Etno-Linguística da Junta Distrital de Lisboa e que foi amiga e colaboradora de Michel Giacometti) escreveu o seguinte texto:
Fabricando Chinelos
Desdobravam-se as mulheres em invenções para calçarem os seus infantes. Com materiais grosseiros, suas mãos moldavam maravilhas que pregavam a solas de pau, de corda, de esparto. Sapatos lhes chamavam aquelas fabricantes de sonhos.
Sonho igual ao da Saloiinha de Cascais que dormiu na cama com uns estremecidos sapatinhos de pano cor-de-rosa, comprados na Feira de São Pedro de Sintra. Ou ao da jovem tecedeira de sapatos de trança, enrodilhada sobre o engenho, anos a fio, do amanhecer ao longínquo findar do dia, na urdidura do calçado que outros usariam. Haveria de tecer um par para si com as sobras da trança que fosse reunindo. Com palinha, lados, biqueira, contraforte, atacadores, num multicolorido a envergonhar o arco-íris, como o cobiçariam as outras raparigas! Levá-lo-ia ao balharico, onde a esperava o seu príncipe. Mas o lojista pesava, na entrega, a trança da meada e, na recepção, o produto acabado. Nada poderia sobrar, nada sobrou para ela, nem sapatos, nem príncipe. O tempo gerou muito tempo e ele, cansado da espera, partiu.
Saibas tu, ignota obreira de chinelos de pano (noutros lugares ditos de trapo ou de roupa) recusar histórias tristes. Quando Giacometti te imortalizou nessa imagem, sentada à porta de tua casa, lavrando os sapatos que seriam pão para a boca de teus filhos, pressentiu não seres destruidora de quimeras.
Artesã mágica, o tecido rústico que modelas será cristal quando a Gata Borralheira da tua aldeia pisar o estribo da abóbora vertida coche pela varinha de condão da fada nobre e bela.
Imagem
Autor: Michel Giacometti
Data: Setembro de 1973
Local: Paços da Serra, Gouveia
Fonte: Câmara Municipal de Cascais