No arquipélago dos Açores podemos considerar três principais ilhas, no que respeita à produção de bordados autênticos e originais, que são a ilha de S. Miguel, a ilha Terceira e o Faial.
Não podemos dissociar a história dos Bordados dos Açores da sua própria história. O arquipélago era um ponto de paragem de rotas marítimas, onde se efectuavam trocas comerciais, e onde abundavam diferentes culturas e gentes de gostos diversificados; e o resultado do cruzamento dessa interculturalidade, imprimiu aos próprios bordados características específicas.
A origem vulcânica dos Açores marcou não só a sua paisagem e geografia humana como o carácter dos açorianos cuja religiosidade e acentuada tendência para a interioridade se devem à latente consciência de viverem sob a constante ameaça de tremores de terra, terramotos e inesperadas erupções vulcânicas. Os açorianos elegeram assim, como centros catedráticos dos seus medos e angústias a humanidade sofrida do Ecce-Homo e a volatilidade da Terceira Pessoa da S. Trindade sobre os quais alicerçaram o seu sistema de crenças. No tocante ao Senhor Santo Cristo, deverá referir-se que a imagem quinhentista foi sendo revestida ao longo dos anos e, nomeadamente a partir do século XVIII, por capas executadas em preciosos tecidos mas também bordadas em diversos materiais e camadas de jóias provenientes de sucessivas e constantes doações, sendo a mais antiga dessas capas, uma oferecida pela rainha Maria de Áustria, mulher de D. João V.
Os Bordados dos Açores chegaram de facto ao esplendor de serem bordados de diferentes materiais, incluindo a aplicação de jóias, exaltando e exibindo assim a crença religiosa no Senhor Santo Cristo. Mas o que é mais desconcertante e nos pode deixar admirados é o facto de tanto se poderem encontrar nestas ilhas exemplos deste tipo de bordados recobertos com elementos valiosíssimos, como podemos encontrar nos trabalhos bordados em tule com o mais pobre dos materiais encontrado na região, mais precisamente na ilha do Faial, a palha.
Os bordados foram manufacturados com toda a sua delicadeza e paciência por mulheres muitas vezes dentro de instituições religiosas ou em famílias em que predominava o modelo patriarcal.
A educação destas mulheres baseava-se em alguns conhecimentos rudimentares da escrita e da leitura, bastante instrução religiosa e uma actividade extremamente ligada ao seu sexo – a costura, os bordados ou a renda.
Relativamente ao traje civil, poderemos dizer que aqui encontramos o aparecimento do bordado a matiz, paralelamente verifica-se também o uso do bordado a branco.
Os suportes dos bordados da época eram a cassa e o cetim que estavam muito em moda no Continente, pelo que a existência de alguns exemplares nestas ilhas prova o acompanhamento da moda também pelos Açores.
A cassa era proveniente da Índia, enquanto que o cetim poderia ser tecido localmente já que a sua urdidura não exigia um saber complexo.
A extinção das ordens religiosas, em 1834, fez regressar a suas casas as freiras que continuaram a dar largas à sua criatividade na execução de bordados, doçaria e flores de papel, e que vieram a constituir uma das mais significativas vertentes das artes decorativas açorianas.
A ilha de S. Miguel é hoje um centro de uma indústria de bordados universalmente conhecida. Mas de todos os trabalhos de mãos, cultivados nessa e em outras ilhas dos Açores, nenhum existe que tão rapidamente tenha conquistado o gosto público feminino, como os bordados a matiz em dois tons de azul.
Os motivos característicos deste bordado azul – faiança são compostos por elementos florais assimétricos como os trevos, avencas, cravinas, ramos e algumas aves, inspirados na decoração da louça chinesa.
Na ilha Terceira, o bordado é caracterizado pela sua execução a branco sobre cambraia, algodão ou linho. Os desenhos destes bordados são essencialmente elementos florais, geométricos e figurativos.
Na ilha do Faial, encontramos os bordados mais peculiares e originais das ilhas que são os bordados de palha. A história lembra uma emigrante inglesa em 1850, que apareceu na ilha e usava um chapéu de seda bordado a palha. A sua divulgação logo foi feita por Joana E. Ferreira que descobriu a forma de bordar palha.
Este tipo original de bordados prosperaram por volta de 1939 e as matérias-primas eram fáceis de encontrar; uma agulha, um pedaço de tule e alguma palha eram o suficiente para dar forma a estes trabalhos tão singelos.
Os trabalhos baseavam-se inicialmente em véus, mas, com os tempos e com as mudanças que a igreja enfrentou, foi preciso inovar e reinventar, pelo que mais tarde se passou a fazer estolas e vestidos.
É interessante salientar que os bordados das artesãs têm sempre uma ligação com a fauna e flora da região onde são bordados, como o caso dos motivos baseados em espigas, cachos de uvas ou pequeninas flores, no caso destes bordados, ou então têm uma origem completamente externa por influência de outras culturas, onde geralmente encontramos com assiduidade a cultura oriental, como no caso dos bordados a matiz.
Fonte Bibliográfica:
Paulo Fernando Teles de Lemos Silva, Bordados tradicionais portugueses, Dissertação de Mestrado em Design e Marketing - Área de Especialização em Têxtil, Universidade do Minho, 2006
Artigos relacionados: Açores, Bordados
Não podemos dissociar a história dos Bordados dos Açores da sua própria história. O arquipélago era um ponto de paragem de rotas marítimas, onde se efectuavam trocas comerciais, e onde abundavam diferentes culturas e gentes de gostos diversificados; e o resultado do cruzamento dessa interculturalidade, imprimiu aos próprios bordados características específicas.
A origem vulcânica dos Açores marcou não só a sua paisagem e geografia humana como o carácter dos açorianos cuja religiosidade e acentuada tendência para a interioridade se devem à latente consciência de viverem sob a constante ameaça de tremores de terra, terramotos e inesperadas erupções vulcânicas. Os açorianos elegeram assim, como centros catedráticos dos seus medos e angústias a humanidade sofrida do Ecce-Homo e a volatilidade da Terceira Pessoa da S. Trindade sobre os quais alicerçaram o seu sistema de crenças. No tocante ao Senhor Santo Cristo, deverá referir-se que a imagem quinhentista foi sendo revestida ao longo dos anos e, nomeadamente a partir do século XVIII, por capas executadas em preciosos tecidos mas também bordadas em diversos materiais e camadas de jóias provenientes de sucessivas e constantes doações, sendo a mais antiga dessas capas, uma oferecida pela rainha Maria de Áustria, mulher de D. João V.
Os Bordados dos Açores chegaram de facto ao esplendor de serem bordados de diferentes materiais, incluindo a aplicação de jóias, exaltando e exibindo assim a crença religiosa no Senhor Santo Cristo. Mas o que é mais desconcertante e nos pode deixar admirados é o facto de tanto se poderem encontrar nestas ilhas exemplos deste tipo de bordados recobertos com elementos valiosíssimos, como podemos encontrar nos trabalhos bordados em tule com o mais pobre dos materiais encontrado na região, mais precisamente na ilha do Faial, a palha.
Os bordados foram manufacturados com toda a sua delicadeza e paciência por mulheres muitas vezes dentro de instituições religiosas ou em famílias em que predominava o modelo patriarcal.
A educação destas mulheres baseava-se em alguns conhecimentos rudimentares da escrita e da leitura, bastante instrução religiosa e uma actividade extremamente ligada ao seu sexo – a costura, os bordados ou a renda.
Relativamente ao traje civil, poderemos dizer que aqui encontramos o aparecimento do bordado a matiz, paralelamente verifica-se também o uso do bordado a branco.
Os suportes dos bordados da época eram a cassa e o cetim que estavam muito em moda no Continente, pelo que a existência de alguns exemplares nestas ilhas prova o acompanhamento da moda também pelos Açores.
A cassa era proveniente da Índia, enquanto que o cetim poderia ser tecido localmente já que a sua urdidura não exigia um saber complexo.
A extinção das ordens religiosas, em 1834, fez regressar a suas casas as freiras que continuaram a dar largas à sua criatividade na execução de bordados, doçaria e flores de papel, e que vieram a constituir uma das mais significativas vertentes das artes decorativas açorianas.
A ilha de S. Miguel é hoje um centro de uma indústria de bordados universalmente conhecida. Mas de todos os trabalhos de mãos, cultivados nessa e em outras ilhas dos Açores, nenhum existe que tão rapidamente tenha conquistado o gosto público feminino, como os bordados a matiz em dois tons de azul.
Os motivos característicos deste bordado azul – faiança são compostos por elementos florais assimétricos como os trevos, avencas, cravinas, ramos e algumas aves, inspirados na decoração da louça chinesa.
Na ilha Terceira, o bordado é caracterizado pela sua execução a branco sobre cambraia, algodão ou linho. Os desenhos destes bordados são essencialmente elementos florais, geométricos e figurativos.
Na ilha do Faial, encontramos os bordados mais peculiares e originais das ilhas que são os bordados de palha. A história lembra uma emigrante inglesa em 1850, que apareceu na ilha e usava um chapéu de seda bordado a palha. A sua divulgação logo foi feita por Joana E. Ferreira que descobriu a forma de bordar palha.
Este tipo original de bordados prosperaram por volta de 1939 e as matérias-primas eram fáceis de encontrar; uma agulha, um pedaço de tule e alguma palha eram o suficiente para dar forma a estes trabalhos tão singelos.
Os trabalhos baseavam-se inicialmente em véus, mas, com os tempos e com as mudanças que a igreja enfrentou, foi preciso inovar e reinventar, pelo que mais tarde se passou a fazer estolas e vestidos.
É interessante salientar que os bordados das artesãs têm sempre uma ligação com a fauna e flora da região onde são bordados, como o caso dos motivos baseados em espigas, cachos de uvas ou pequeninas flores, no caso destes bordados, ou então têm uma origem completamente externa por influência de outras culturas, onde geralmente encontramos com assiduidade a cultura oriental, como no caso dos bordados a matiz.
Fonte Bibliográfica:
Paulo Fernando Teles de Lemos Silva, Bordados tradicionais portugueses, Dissertação de Mestrado em Design e Marketing - Área de Especialização em Têxtil, Universidade do Minho, 2006
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2 comentários:
Boa tarde.
O meu nome é Pedro Augusto. Já tentei entrar em contacto consigo, mas penso que o meu comentário não foi enviado. Sou um artista plástico e tenho uma paixão por traje popular: de resto, será este o tema de um novo trabalho meu. Contudo, gostaria de saber se me poderia ajudar com bibliografia ou mesmo com um pequeno texto ou imagens sobre o uso de traje em ocasiões de luto. Os meus agradecimentos. oiadf@hotmail.com
Gostei de passar aqui e ver falar no bordado açoriano. Sou açoriana e por acaso também pertenço a um grupo folclorico.
beijinhos
Ivone
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