quarta-feira, janeiro 29, 2014

A CROÇA II - Montalegre

Transcrevo o 2º artigo da Prof.ª Dr.ª Daniela Araújo, sobre o fabrico de uma croça de junco.


A CROÇA II

Na construção do cabeção da croça, os dedos do sr. Constantino lidam, simultaneamente, com quatro conjuntos de juncos. Dois são mais delgados; os outros dois mais grossos. Os mais delgados são os juncos que originaram o botão da croça e que, no entrançar dos dois conjuntos mais grossos, funcionam como as cordas que os prendem. Os conjuntos mais grossos, aos quais chamarei medas, vão sendo entrançados nas cordas e formarão a primeira camada ou carreira da croça; aquela que é mais longa e que deverá proteger os ombros de quem a usa.

Os dedos sábios do sr. Constantino, neste processo de articulação entre as duas cordas e as duas medas, torcem, apertam e entrançam juncos do botão até à casa.

Se foi difícil colocar por palavras os gestos inerentes ao moldar do botão da croça, desta vez, o desafio é ainda maior! É preciso rever e rever as mais de 300 fotografias que tirei em pouco mais de uma hora. E há muitas dúvidas que subsistem, apesar do sr. Constantino me ter permitido fazer algumas operações. Acho que vou ter de fazer várias experiências até interiorizar todo o processo.

As duas cordas de junco, logo após o botão ter sido formado, recebem a primeira meda de juncos. O sr. Constantino tem as mãos treinadas. Não conta os juncos de cada vez que introduz uma nova meda no entrançado das cordas. Nas pontas dos dedos, sente que aquela é a grossura adequada. Não vale a pena contá-los, pois há juncos mais grossos e juncos mais finos.

Cada meda é dobrada ao meio e o centro é marcado pelas duas cordas que vão torcendo uma sobre a outra e sobre cada meda. Uma parte de cada meda fica para dentro; formará o forro da croça e não será penteada. A outra a parte, a que fica para fora da croça, é aquela que será penteada quando já todas as camadas tiverem sido montadas.

A extremidade de cada meda que corresponde à base do junco, é aquela que fica voltada para o exterior. A outra extremidade, a que corresponde à flor do junco, fica voltada para o interior.

 


 Na segunda imagem pode ver-se o sr. Constantino apontando com o indicador da mão direita para a última meda que acrescentou. Sobre esta meda está já torcida uma das duas cordas (em frente ao polegar da mão esquerda está essa corda). E ao lado do polegar está a meda que foi presa anteriormente.


Qual é, então, a sequência de gestos e de cordas e medas? Coloca-se uma meda nova medindo o comprimento que a mesma deve ter na parte exterior da croça com a ajuda da meda que foi entrançada no ponto anterior. De seguida, retiram-se as cascas que alguns dos juncos possam ainda ter na sua base.



Ao se colocar uma nova meda, passam-se as duas cordas sobre a mesma. Primeiro a corda da esquerda e, sobre esta, a corda da direita, torcendo-se as cordas nesse movimento. De seguida, puxa-se a meda anterior para baixo, passando-a por cima da última meda a ser incluída, e torcendo-a sobre as duas cordas. E assim sucessivamente. Dito assim, parece fácil. Mas quando se vê pela primeira vez e não se experimenta parece tudo muito complicado.

Na imagem seguinte veem-se claramente as duas cordas de juncos: correspondem aos dois conjuntos de juncos que se situam mais à esquerda da fotografia. No meio de ambos está a meda que acabou de ser torcida para baixo. O gesto seguinte será o de adicionar uma nova meda. E a próxima meda a ser torcida para baixo será a que se vê nesta mesma imagem, com os diversos juncos direcionados para o canto superior direito.

 
O cabeção tem de ter um número ímpar de pontos. A contagem é feita com regularidade para se ir confirmando o número de pontos já feitos. Estas croças que estão a ser feitas pelo sr. Constantino têm 51 pontos. Não é obrigatório, contudo, que tenham esse número de pontos. Apenas que seja um número ímpar. Deste modo, para cada lado ficarão 25 pontos e o ponto 26, achado a partir de cada extremidade, é o ponto que marca o meio. É essencial para depois se colocar a tira que funcionará como o cabide da croça.
 

Quando os 51 pontos estão feitos, então, torcem-se as duas cordas sobre si mesmas e uma sobre a outra um número de vezes suficiente para se poder fazer a casa para o botão da croça. Refira-se, igualmente, que à medida que os juncos que formam as cordas se vão esgotando, há que juntar novos juncos. Faz-se esse acrescento deixando sempre uma ponta de fora que, terminado o trabalho, se cortará.


A casa do botão faz-se torcendo a corda, formada pelas duas cordas, sobre si mesma. De seguida, as duas cordas vão começar a entrançar-se sobre as medas que foram colocadas anteriormente.

O objetivo é que cada meda fique no meio das duas cordas, tal como se pode ver nas duas imagens seguintes. Em cada meda, faz-se passar a corda da direita por cima e, por cima desta, a corda da esquerda, torcendo-se cada corda sobre si mesma. A meda seguinte passa por cima da última corda que foi utilizada. E assim sucessivamente por cada meda que se vai apanhando.



O próximo passo será perceber como se fazem as tranças que constituem a segurança da croça. E como se acrescentam pontos de carreira para carreira de modo a que a croça ganhe amplitude.

 

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