Por
Carlos Rego, V. N. Famalicão
Confesso que somente tomei conhecimento do vocábulo “contratadeira”, associado ao Folclore, há menos de três anos. A personagem foi-me apresentada por entusiastas desta criatura folclórica.
No universo folclorizado “contratadeira” ou “contratador” (desconheço se existe esta personagem de facto ou se será somente o esposo) será a mulher que, vestida a preceito para tal função, numa feira estabelece um contrato de compra e/ou venda de gado, resumidamente. O trajo da “contratadeira” é o trajo da “lavradeira” ou da “ribeira”, dependendo da região etnogeográfica baixo-minhota, acrescido de um chapéu, quase sempre em castanho, de aba larga e copa baixa. Para alguns folcloristas formatados, aqueles que insistem na divisão concelhia do Folclore, o trajo de “contratadeira” é o trajo característico de V. N. Famalicão. Rotunda mentira. Além de Famalicão pode encontrar-se nos grupos/ranchos dos concelhos de Barcelos, Esposende, Póvoa de Varzim e Vila do Conde, isto é, nos grupos residentes no baixo Ave, no vale formado pelo rio Ave e pelo seu afluente rio Este (a título de curiosidade, este vale é uma das maiores regiões da Europa de concentração de gado vacum produtora de leite). Parece-me pouco credível que alguém, à época, se trajasse de modo excecional para levar ou trazer um par de bois da feira a troco de alguns reis ou de artigos agrícolas. A riqueza do material usado na confeção deste chapéu indica-nos tratar-se de um adereço fora do alcance das mulheres do campo, porque eram pobres, talvez mais em uso em algumas senhoras rurais. Quiçá, acessório copiado, porque pitoresco, para cortejos e paradas agrícolas, em parceria com os chapéus de palha exageradamente decorados que para esses eventos se preparavam. De seguida, a replicação de pelo menos uma “contratadeira” ou parelha de “contratadores” nos grupos/ranchos folclóricos da área etnogeográfica referida. E, nos dias de hoje, mal do grupo/rancho baixo-minhoto dos concelhos citados que não inclua tal personagem na sua montra, a certeza da crítica certa por tal atrevimento ou o rótulo de grupo pobre e indigno. Necessário e importante relembrar o estatuto da mulher para a época. Intramuros, a mulher era o elemento mais forte da família, pertencia-lhe o governo da casa assim como a educação das crianças. Fora de portas o universo era todo ele masculino. Logo, do ponto de vista sociológico, muito pouco provável e existência de uma tal personagem no feminino com a importância que lhe pretendem atribuir. Sozinhas ou acompanhadas por outras mulheres ou crianças iam ao mercado vender ou comprar coisas da casa ou para a casa, produtos da horta, pequenas alfaias, outras necessidades. A venda ou troca de gado era uma atividade no masculino, a mulher seria um elemento estranho e não aceite neste negócio de barba rija e manha certa. A viúva ou a senhora solteira socorriam-se de um feitor, caseiro, familiar ou conhecido de confiança para elaborar contratos de troca ou venda de gado. Até o moço, e muito excecionalmente a moça, puxador de bois, numa ida à feira, o fazia já num processo de aprendizagem, de preparação para quando chegasse a sua vez de puxar a soga da vida. “Contratadeira”, a personagem e o seu traje, vale o que vale. No universo do Folclore pouco ou nada valerá. No mundo folclórico, garrido e pitoresco que prolifera no movimento, a sua função plástica está por demais sobrevalorizada, bem acompanhada e ao nível de outras personagens, com seus trajos mais ou menos imaginosos, como, por exemplo, o da leiteira, da sardinheira, da sachadeira, da olhadeira de gado, da lavadeira, da vindimadeira, da parideira, da parteira, da namoradeira, da coscuvilheira, de pranteadeira, da viúva alegre, e por aí fora. E já agora, a “noiva” e o seu trajo.
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