segunda-feira, agosto 29, 2011

As cores republicanas no barrete do campino ribatejano


O campino do Ribatejo tal como actualmente o conhecemos, altivo na sua montada, com o seu pampilho, apresenta-se invariavelmente com o seu colete encarnado, faixa vermelha à cintura, calça azul e meias brancas até ao joelho, jaqueta e sapato de prateleira com esporas. Ao invés de outros trabalhadores rurais da mesma região, usa barrete verde com orla a vermelho, sugerindo as cores da actual bandeira nacional.
O barrete é, desde tempos muito recuados usual em diversas regiões do nosso país, quer no meio rural como ainda entre as comunidades de pescadores. No Minho, apesar da indústria de chapelaria que se desenvolveu em Braga nos meados do século XIX, a qual levou à difusão em toda aquela do característico chapéu braguês, o barrete continuava a ser utilizado nas tarefas diárias da lavoura.
Originariamente, todos os barretes eram pretos ou cinzento-escuro, independentemente do grupo social ou a região do país em que eram utilizados. Ainda hoje os podemos encontrar com relativa facilidade entre os pescadores da Nazaré e da Póvoa do Varzim ou até na região saloia. Porém, apesar de se pretender preservar aquilo que foram os usos e costumes de uma determinada época, geralmente dos finais do século XIX e começos do século XX, também o traje tradicional tem sido permeável às modas e a outros interesses que o levam a registar modificações que, não raras as vezes chegam até nós como o que existe de mais genuíno.
Seria extensa a lista de exemplos que poderíamos enumerar para descrever as alterações que ao longo dos tempos se tem registado no traje tradicional, para já não falarmos de outros aspectos relacionados com o folclore como as coreografias, os instrumentos utilizados e os próprios cantares. Bastará, apenas, referir o tamanho das saias que outrora se usavam comparados com o que por vezes é exibido actualmente, as formas estilizadas e os tecidos. Muitas dessas alterações não estão apenas relacionadas com as influências exercidas pela moda mas ainda com a sua utilização para fins de propaganda turística e até política, como sucedeu em grande medida durante o período do Estado Novo.
Sucede que, faz precisamente cem anos que foi instaurado em Portugal o regime republicano. E, como é sabido, o Ribatejo constituía uma das regiões de maior implantação política dos republicanos da altura. De resto, foi um ribatejano de seu nome José Relvas, quem hasteou a bandeira do novo regime nos Paços do Concelho, em Lisboa. Na verdade, a bandeira hasteada pertencia a um pequeno grupo político, o Centro Democrático Federal, pois a bandeira tal como a conhecemos só viria a ser concebida e aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte no ano seguinte.
Inspirados pelo famoso quadro “A Liberdade guiando o Povo” de Eugène Delacroix, os republicanos criaram uma figura alegórica para representar a República, um tanto à semelhança do que fizeram os franceses ao conceberem a sua Marianne. O modelo então escolhido foi uma jovem alentejana de Arraiolos, de seu nome Irene Pulga. E, tal como os franceses fizeram com a Mariana, colocaram-lhe sobre a cabeça um barrete frígio.
O barrete frígio é assim designado por ter sido primitivamente usado pelos habitantes da Frígia que constituía uma região da Ásia Menor, sensivelmente onde actualmente se encontra a Turquia. Os republicanos franceses adoptaram-no, sob a cor vermelha, como símbolo de liberdade. Aliás, da mesma forma que, nos finais do século XIX, foram os caçadores alpinos franceses os primeiros a adoptar a boina basca, alterando-lhe a cor para azul-escuro, tendo passado a constituir um acessório dos uniformes de inúmeras forças militares sob as mais diversas cores. De forma algo idêntica, também os republicanos portugueses viram certamente no barrete do campino ribatejano uma espécie de barrete frígio, genuinamente português, podendo ser-lhe introduzidas as cores da República.
Com o decorrer do tempo e a divulgação do folclore, mormente ao tempo do Estado Novo, a ideia do barrete verde viria a enraizar-se nos costumes ribatejanos e a tornar-se uma peça considerada genuína do traje do campino.

Autor: Carlos Gomes


4 comentários:

Ricardo Campos Júnior disse...

Já se falando em folclore e autenticidade, gostaria de saber qual é o número correto de saias brancas a serem utilizadas abaixo da saia principal. Tenho visto que a maioria dos ranchos utiliza apenas uma, mas tenho ouvido que as mulheres usavam no mínimo duas na época em que os ranchos representam (ou deveriam representar). Também há relatos da existência de saias vermelhas. Gostaria de saber como devemos proceder para sermos autenticos em nossos ranchos.

Carlos Cardoso disse...

É dificil de responder, dependia da região, do traje e da riqueza da mulher. Genericamente, nos trajos domingueiros dois saiotes de cor branca, um mais comprido, ao nível da saia, e outro mais justo até ao joelho, normalmente de linho. Nos trajes de trabalho, utilizavam apenas um saiote, muitas vezes vermelho, que utilizavam para se limpar e era substituido diáriamente. A cor vermelha estava associada ao periodo mestrual da mulher, pois se o saiote fosse branco tornava-se mais visivel o sangue e seria mais dificil de lavar.
O uso de colotes é muito recente, pelo que não deve ser utilizado pelos ranchos folcloricos.

Ricardo Campos Júnior disse...

Em nosso grupo usamos duas saias brancas compridas e um saiote menor no nível dos joelhos (que seria como a roupa de baixo) mais uma saia vermelha (dependendo do traje), fora a saia principal. Isso está correto? Estamos falando em roupas de regiões beirãs, como Viseu, Dão-Lafões, Manhouce... Quero trabalhar o folclore desses locais da maneira mais autentica possível. E com relação às ceroulas masculinas? Tenho notado que os ranchos as deixaram de usar enquanto nós mandamos as confeccionar. Também está correto?

Carlos Cardoso disse...

O amigo Paulo Almeida deu-me a seguinte explicação:

COMO SE SABE, NAQUELA ÉPOCA, AS MULHERES ERAM MUITO MAGRAS DEVIDO ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DA ALTURA.
OS HOMENS NAQUELA ÉPOCA, AO ESCOLHEREM A FUTURA MULHER, TINHAM PREFERÊNCIA PELAS MAIS BONITAS E MAIS “GORDINHAS” PORQUE ESSAS MULHERES SERIAM MAIS FORTES PARA OS AJUDAR NOS TRABALHOS DA TERRA. NAQUELE TEMPO GORDURA ERA SINAL DE FORMOSURA.

PARA DAR A VOLTA À SITUAÇÃO E CONSEGUIREM FICAR/CASAR COM O HOMEM QUE QUERIAM, ENGANAVAM-OS, OU SEJA, ELAS VESTIAM VÁRIAS SAIAS PARA PARECEREM MAIS GORDINHAS. ERA UMA FORMA SUBTIL QUE TINHAM PARA DAREM A VOLTA À SITUAÇÃO. HAVIA MULHERES QUE, COMO NÃO TINHAM MUITAS SAIAS BRANCAS, VESTIAM UMA SAIA DE FORA POR CIMA DA OUTRA PARA PARECEREM MAIS GORDAS. NESTA REGIÃO ALGUMAS MULHERES CHEGAVAM A VESTIR 7 SAIAS COMO AS DA NAZARÉ… É POR ISSO QUE EXISTE UMA MODA DA REGIÃO QUE TEM A DESIGNAÇÃO DE “MARIA DAS 7 SAIAS”. ESTE ERA O MOTIVO PRINCIPAL DO USO DE MUITAS SAIAS ….


QUANTO À SAIA VERMELHA, ANTIGAMENTE, CHAMAVA-SE BAETA E VEIO SUBSTITUIR, EM MUITO, O USO DAS SAIAS BRANCAS FEITAS EM ESTOPA. A BAETA ERA UTILIZADA EM TODOS OS MOMENTOS, FESTIVOS OU DE TRABALHO PORQUE FOI UMA “MODA” QUE OCORREU NA ALTURA. NOS TRAJES MAIS COMPOSTOS USAVA-SE A BAETA COM BORDADOS, FITAS OU RENDAS (CONFORME O GOSTO DA UTILIZADORA), AO PASSO QUE AS DE TRABALHO ERAM SEM NADA OU PODERIAM TER UMA RENDA MUITO SIMPLES E MUITO ESTREITA AGARRADA À BAETA. AS BAETAS PODERIAM SER LISAS OU URDIDAS.

COMO SE USAVAM!
SEGUNDO AS PESQUISAS QUE FIZ E OS TESTEMHUNHOS QUE TENHO (E QUE SÃO MUITOS), NA REGIÃO DE LAFÕES HAVIA 3 FORMAS DE USAR.
QUANDO AS MULHERES TINHAM A MESTRUAÇÃO USAVAM A BAETA POR DENTRO DE TODAS PARA PRENDEREM, COM A AJUDA DE UM ALFINETE DE DAMA, A SAIA PARA QUE NÃO PINGASSE NO CHÃO. TAMBÉM PODERIAM USAR A BAETA LOGO A SEGUIR À SAIA DE FORA OU ENTÃO USAVAM A SAIA DE FORA, DEPOIS UMA BRANCA E A SEGUIR UMA VERMELHA E, POR DENTRO DESTA, OUTRAS BRANCAS (ESTA ÚLTIMA OPÇÃO USADA SOMENTE NOS TRAJES DE EXCEPÇÃO).

ATENÇÃO, NÃO HÁ A OBRIGATORIEDADE DE TODAS USAREM A SAIA VERMELHA. NA ÉPOCA HAVIA MUITAS QUE NÃO USAVAM PORQUE NEM GOSTAVAM DA COR VERMELHA.

QUANTO AO NÚMERO DE SAIAS BRANCAS, NÃO EXISTE A OBRIGATORIEDADE DE USAR 2. PODE SER MAIS OU MENOS. ISSO VARIAVA CONSOANTE A VONTADE DA MULHER. NO RANCHO QUE ENSAIO HÁ MULHERES COM 2, OUTRAS COM 3 E OUTRAS COM 4 SAIAS BRANCAS. UMAS TÊM BAETA E OUTRAS NÃO. É CONFORME O TRAJE ENVERGADO. JÁ SE SABE QUE ANTIGAMENTE HAVIA PESSOAS QUE TINHAM MAIS POSSES DO QUE OUTRAS E ISSO REFLETE TAMBÉM NAS SAIAS BRANCAS E NA BAETA.


ESPERO TER AJUDADO.
ABRAÇO
Paulo Almeira